ENTREVISTA DE AGUALUSA

ESTA É A ENTREVISTA QUE O ESCRITOR AGUALUSA NOS CONCEDEU E FOI PUBLICADA NO NOVO JORNAL

José Eduardo Agualusa
“Não existe sucesso sem marketing, mas o marketing não explica tudo”

Agualusa divide o seu tempo entre Angola, Portugal e Brasil. Esta “deslocalização” faz hoje propositadamente parte da tua vida literária. É propositado?
Não, foi algo completamente acidental. Mas hoje sou realmente um escritor em movimento. Aliás, é a própria actividade de escritor que me força a viajar. Tenho livros publicados em mais de vinte países, e é necessário promover as diversas edições, em particular em países, como Inglaterra ou Holanda, onde os meus livros vendem relativamente bem. Portugal e o Brasil são, de longe, os países onde tenho mais leitores. Além disso gosto muito de viajar, sobretudo no Brasil, que é um país imenso, com muito para descobrir. Os brasileiros sempre me trataram com muito carinho. Ontem mesmo ligou-me um assessor do Ministro da Cultura, Juca Ferreira, para me informar que o Presidente Lula me irá condecorar com a Ordem do Mérito Cultural, no próximo mês de Novembro.

Isso justifica a aposta no mercado brasileiro?
O Brasil é um mercado enorme, de 180 milhões de pessoas. Um mercado em crescimento. Para um escritor de língua portuguesa vai ser, a médio prazo, o nosso principal mercado. Não há como fugir a isso.

É comum ouvir de algumas pessoas que o seu sucesso está apenas associado ao marketing. É isso mesmo?
Provavelmente não existe sucesso sem marketing, mas o marketing não explica tudo. Se fosse necessário apenas um bom marketing para vender livros eu e o Pepetela não seríamos de certeza os escritores angolanos mais traduzidos. Repare no esforço financeiro que o governo angolano tem feito para promover a divulgação da obra poética do Presidente Agostinho Neto. Contudo, não existem obras de Agostinho Neto há venda em nenhuma livraria fora de Angola. Aparentemente não há muitos leitores, no exterior do país, interessados na obra de Agostinho Neto. Prémios, sim, podem ajudar. Eu tive a sorte de receber um dos principais prémios ingleses para ficção estrangeira. Isso ajudou a vender os meus livros no mercado de língua inglesa, que é um mercado muitíssimo exigente, e ajudou também a vender esse e outros títulos para outros idiomas. É o marketing que explica o incrível sucesso internacional um livro como o “2666”, do escritor chileno Roberto Bolaño? Sim, sem dúvida, mas é sobretudo a qualidade intrínseca do próprio livro. O marketing só funciona porque o livro é bom e os leitores se identificam de alguma maneira com aquele universo.

A tradução francesa de «As Mulheres de Meu Pai» foi indicada a concorrer um prémio do jornal le courrier International. “Os prémios fortalecem a auto-estima”. Acredita nisso?
Como já disse os prémios podem ajudar a conquistar leitores. É a sua principal virtude. Evidentemente o prestígio de um prémio depende também do prestígio, da qualidade real, dos premiados. O nome de um prémio cresce, constroi-se, à custa do nome dos premiados.

Paralelamente ao romance e aos contos, Agualusa tem experimentado também a dramaturgia. Como fez esta opção?
Comecei por receber um convite do Teatro Meridional, de Lisboa, para escrever uma peça sobre as relações entre pais e filhos. A peça veio a chamar-se Geração W e tinha quatro actores, três dos quais angolanos. Depois escrevi uma peça com o Mia Couto, para um outro grupo português, o Trigo Limpo, chamada “Chovem Amores na Rua do Matador”. Essa peça percorreu diversas cidades portuguesas, e esteve em Luanda e Maputo. Por fim recebi um convite da actriz brasileira Marília Gabriela, uma grande, grande amiga, para escrever um monólogo, a que chamámos “Aquela Mulher”. Foi muito bem recebido pela crítica. Espero que possa ir a Luanda em breve. Escrever para teatro é uma experiência muito particular, muito aliciante, porque o texto ganha vida. Comovi-me muito ao ver a Marília recriando a minha personagem. Também já escrevi para cinema, mas não achei tão interessante. Em contrapartida tenho vindo nos últimos meses a escrever letras para canções. Escrevi para o João Afonso, um cantor e compositor luso-moçambicano, sobrinho do Zeca Afonso, que foi meu colega em agronomia. E também para a Thalma de Freitas e para a Vanessa da Mata. Acho muitíssimo divertido.

Se desde A Conjura até A Substância do Amor e outras Crónicas há um trabalho de pesquisa histórica e social bastante acentuado, as suas últimas obras acentuam, por outro lado a critica sócio-política. Como é a criação literária em si?
O meu segundo romance, “A Estação das Chuvas”, sobre a repressão às forças de esquerda após a independência, é de longe o mais político de todos os que escrevi até agora. Creio que em quase toda a boa literatura é possível encontrar esse olhar crítico sobre o mundo em que vivemos. A boa literatura não nos dá respostas, mas ajuda-nos a pensar. Incomoda, inquieta. Por isso é que os regimes totalitários não apreciam a literatura, ou os criadores culturais, de uma forma geral.

A sua “nova” escrita lhe aproxima muito dos clássicos latino-americanos. Comente?
Os escritores latino-americanos, desde Jorge Luís Borges a Gabriel Garcia Marquez, passando pelo Mário Vargas Llosa, ou ainda pelos brasileiros Rubem Fonseca e Jorge Amado, sempre foram importantes para mim. Gosto de recordar uma entrevista do Garcia Marquez na qual ele se refere a uma viagem que fez a Angola, com o objectivo de escrever uma peça sobre o papel das tropas cubanas. Nessa entrevista Garcia Marquez conta que essa viagem representou para ele como que um regresso à infância. Ele descobriu que muitas das referências que tinha eram afinal africanas. Isso explica também que um angolano se possa sentir tão próximo do universo do Garcia Marquez. Vivemos em mundos semelhantes. Luanda é uma cidade onde o maravilhoso, e o absurdo, caminham de mãos dadas com a realidade. É algo difícil de encontrar numa grande cidade europeia.

Sem democracia não pode haver bom jornalismo
Continua a assumir-se publicamente como jornalista?
Não. Há muitos anos que não trabalho como jornalista.

O que lhe parece o jornalismo angolano?
Acho que o jornalismo em Angola evoluiu muito, e ainda tem muito para evoluir. Temos alguns nomes históricos, grandes referências de jornalistas inteligentes, imparciais, de uma extraordinária coragem, como o Reginaldo Silva, o Ismael Mateus, e alguns jovens que convém seguir. Por outro lado o futuro está armadilhado. Existem poderosos interesses políticos e económicos por detrás de quase todos os órgãos de informação. Finalmente a sociedade não tem vindo a caminhar, infelizmente, no sentido de uma maior democratização, e sem democracia não pode haver bom jornalismo. Eventualmente haverá alguns bons jornalistas, mas não bom jornalismo.

Ser jornalista lhe ajudou a ser escritor, de alguma forma? Nota-se nas suas obras, apesar da veia literária que lhe obriga a descrições exaustivas, um lado de jornalista com alguma objectividade, clareza e curto.
Sim, ajudou-me, sobretudo no que diz respeito à pesquisa.

No seu programa “A hora das cigarras”, na RDP difunde poesia de Neto?
Sim. Já realizei para cima de quinhentos programas. Trata-se de divulgar a música e a poesia de matriz africana. Há poetas maiores e poetas menores. Grandes músicas e temas não tão bons. Lixo não. No meu programa não há lixo.

Como reagiu à polémica em volta da sua opinião sobre a poesia de Agostinho Neto?
Com alguma surpresa. Estou convencido que tal polémica foi orquestrada, que não foi inocente o momento em que se produziu, pouco antes do início da campanha eleitoral. Os sectores mais inteligentes do regime perceberam rapidamente que aquilo era um disparate, que se iria virar contra eles próprios, como aliás aconteceu, e trataram de travar o processo – mas já foram tarde. Esse é o perigo de se utilizarem cães de guerra, alguns deixam-se embriagar com o próprio ódio, e acabam mordendo inclusive a mão do dono. E se não mordem deixam-no muito mal visto. Utilizei o episódio no livro porque era irresistível – ele acrescenta credibilidade ao resto da narrativa. Se um tal absurdo realmente aconteceu, porque não o resto?


Em Caixa
«Luanda é um manancial para qualquer escritor»

Em vendedor de passados, o facto de Félix Ventura ser albino, é propositado. Porquê?
Naturalmente. Em todos os meus livros dedico uma grande atenção às pessoas que, por algum motivo, são marginalizadas pela sociedade. Pessoas com problemas físicos ou que pertencem a grupos minoritários. De uma forma geral sinto uma grande simpatia por todos os perseguidos, todos os excluídos. Ora os albinos são perseguidos em muitos países africanos, por motivos absurdos. Em Angola, felizmente, a situação não é tão grave. Ainda assim é difícil ser albino em Angola, da mesma forma que é muito difícil ser um deficiente motor, ser cego, ser estrangeiro. Nos dias que correm, por exemplo, é difícil ser congolês. Os trabalhadores congoleses, os trabalhadores honestos, gente simples, que estão a ser perseguidos pelo único facto de serem congoleses, também eles têm a minha simpatia.

Luanda está presente em toda a literatura angolana (poesia, romance, contos, dramaturgia, etc.). Esta cidade continua mágica e fértil para a literatura?
Sem dúvida alguma. Luanda é um manancial para qualquer escritor. É um milagre em constante renovação.

Barroco Tropical traça-nos um retracto futurista de Luanda, vivido com tragédia. Será mesmo assim? Como poderá ser diferente?
Barroco Tropical é uma distopia. O que pretendo é alertar as pessoas para o que pode acontecer ao nosso país caso persistam determinadas dinâmicas. Caso nada seja feito para atenuar as desigualdades sociais, para educar e socorrer a maioria da população. Eu acredito que a sociedade angolana tem capacidade para inverter o sentido dessas dinâmicas. Acredito que o futuro nos vai trazer dias melhores.

Conte-nos lá, de onde lhe veio a cantora Kianda de Barroco Tropical?
A Kianda foi a primeira personagem que me apareceu quando comecei a escrever este livro. Eu tinha a imagem desta cantora, tinha a sua primeira fala, faltava-me tudo o resto. Ao logo dos anos criei uma relação de alguma proximidade com o mundo do espectáculo. Tenho muitos amigos e amigas nesse meio. É um universo que me fascina. Para construir a figura da Kianda socorri-me de conversas que fui tendo com músicos, com cantores e cantoras, sobretudo de língua portuguesa, e em particular brasileiros.

Acredita na ideia ou fundamento teórico do caos, como lhe apresenta nas diferentes histórias envolta aos personagens de Barroco Tropical?
O caos pode ser muito interessante para um escritor, na medida em que numa eventual ausência de regras as pessoas emergem inteiras, lobos ou anjos. Escritores trabalham com emoções, são predadores solitários. O nosso território é a natureza humana.

Será de alguma forma, Barroco Tropical, uma obra biográfica sobretudo através da figura de Bartolomeu Falcato?
Sem dúvida, e na Kianda também. Desde Flaubert que não há nisto novidade alguma. A Kianda sou eu – evidentemente.

E porque o transporta de As Mulheres de Meu Pai para esta nova obra?
Bartolomeu Falcato é a ligação entre este livro e o anterior. Os leitores mais atentos talvez apreciem o jogo, encontrar o personagem doze anos mais velho, num outro contexto – o futuro. Quem não quer saber o que acontece a um personagem depois do fim?

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