Ainda sobre a criminalidade em Luanda - “It´s the economy, stupid”


Adebayo Vunge
É impossível estar indiferente às imagens da última semana, que se tornaram virais nas redes sociais, em que um polícia atinge mortalmente um jovem delinquente em plena luz do dia.
A cena é chocante, porque não é aceitável, num Estado Democrático de Direito, assistirmos àquela actuação de um agente policial que deve, é certo, salvaguardar acima de tudo a defesa da população, mas tem sempre de respeitar os direitos fundamentais de todos os cidadãos, mesmo em casos extremos de autodefesa, na medida em que neutralizar não deve significar eliminar.
Image result for criminalidade em Luanda
Se há, no plano jurídico, uma condenação das práticas de execução sumária por elementos afectos à polícia, que é, reiteradas vezes, delas acusada, a verdade é que este incidente mostrou uma sociedade chocada e dividida. Há segmentos da população que condenam aquela actuação da polícia, mas existem ao mesmo tempo outros que a aplaudem. 

No fundo, em última análise, fica evidente a necessidade de paz social, estabilidade e harmonia. Não é pelos vistos ao que se assiste, com o tema da delinquência e criminalidade frequentemente a abrirem os noticiários, principalmente referindo casos ocorridos em Luanda, a nossa megapolis. 

A brutalidade e a frequência dos crimes que ocorrem na nossa sociedade tem vindo a levantar, não obstante o discurso das autoridades policiais, fortes preocupações quanto à eficácia das medidas de combate à criminalidade. Não abonam a favor, por exemplo, os relatos que nos chegam da existência de recolher obrigatório em alguns bairros da periferia, onde a população vive com receios de circulação sobretudo depois do pôr-do-sol. Obviamente que a cartografia destes bairros não facilita a segurança. Para além da escassa ou nula iluminação pública, os becos, curvas e contracurvas tornam inacessíveis e dificultam qualquer trabalho policial de prevenção e combate ao crime. É claro também que na “cidade do asfalto” a criminalidade é preocupante. Mas uma coisa parece-nos clara: o combate e prevenção ao crime não é tarefa exclusiva da Polícia (que tem nessa missão grandes responsabilidades). Outros órgãos do Estado são aqui também chamados, não tanto em matéria de repressão, mas especialmente no âmbito da prevenção.

Obviamente que isto serve apenas para contextualizar e não retira nenhuma das responsabilidades que assistem aos órgãos policiais, que estão obrigados, por imperativo do nosso Estado, a agir nos marcos da Lei para a defesa da integridade, propriedade e ordem públicas. Por isso, segundo sabemos, não há qualquer princípio legal que legitime retirar-se a vida de quem quer que seja, pacatos cidadãos ou criminosos. 
Não podemos caminhar para o patamar da insegurança a que se assiste hoje em Joanesburgo ou no Rio de Janeiro. Temos de seguir exemplos que deram os resultados esperados. Podemos ver como a polícia portuguesa neutralizou as redes oriundas do Brasil e da Rússia que ali tentaram fazer poiso ou como Rudolph Giuliani tornou Nova Iorque uma das mais seguras cidades do mundo. Os tiroteios em Manhattan e os assaltos no Central Park são cada vez mais cena dos filmes e longe do quotidiano da cidade que nunca dorme. A cidade, que é a mais populosa dos Estados Unidos, teve 290 homicídios em 2017, segundo dados oficiais. É o menor número desde 1951, quando essas informações começaram a ser recolhidas. Em relação à população, a taxa de homicídios de 2017 foi de 3,4 por 100 mil pessoas – muito abaixo dos 30,7 que se registavam em 1990.

Mais do que debater a cena de execução arbitrária ou a pertinência da reposição da pena de morte, possibilidade que está afastada inclusive sob o ponto de vista constitucional, temos de olhar rigorosamente para o fenómeno da criminalidade no nosso seio e as suas consequências sociais e políticas. Aceitar a pena de morte é um recuo civilizacional. E aqui chegados, parece não existirem muitas dúvidas: A criminalidade a que se assiste é um fenómeno social e económico, consequência sobretudo da grave crise económica que nos assolou nos últimos quatro anos, altura em que fomos registando o aumento do encerramento de empresas de todo o tipo e dimensão e ao lançamento para a precariedade de milhares de pessoas, particularmente jovens.

Tenho o relato de alguns amigos, empresários do ramo da construção civil, que no auge do sector empregaram centenas de jovens que viviam sem abrigo em diferentes ruas de Luanda. Com a suspensão de obras (contratos) e o consequente encerramento de empresas, estes jovens com poucas perspectivas engrossam o exército de desempregados. Chegam também outros relatos de alguns bairros em Luanda, onde a maioria dos jovens, quando não estão zungueiros, ali permanecem, consumidos pelas bebidas e outras drogas. A “lei do desenrascanço”, como um conhecido escritor satirizou certa vez, já não resolve o problema de muitos destes. Para além disso, o nosso modelo social faz com que muitos adolescentes cresçam sem a orientação directa dos pais e ou de qualquer adulto responsável e facilmente são levados ao crime pela influência de outros.

Ora, existem várias situações e motivos para explicar o que leva os jovens ao crime. Mas, do ponto de vista das soluções parece-nos que estamos a incorrer num modelo erróneo. O combate à criminalidade não é tarefa exclusiva da polícia. A sociedade deve participar de modo mais incisivo – empresas, famílias, igrejas, a escola, as instituições culturais e desportivas. Muito pode ser feito para evitarmos que a nossa juventude descambe nas drogas e no álcool e se perca na ociosidade (desemprego e delinquência). A juventude é a força motriz. O seu potencial e energia transformadora é inquestionável. Na nossa mesma sociedade abundam exemplos desses. Daí a necessidade de um trabalho sistematizado no sentido de acudirmos a sua resolução com envolvimento pleno de todos. Como se não bastassem as nossas maleitas, não poderemos falar de atracção do investimento estrangeiro directo ou de fomento do turismo deixando essa bola de neve crescer.

Não sou económico-determinista, mas acredito que o relançamento da economia, do crescimento económico, da actividade empresarial irá mitigar o desemprego e, com mais e melhor emprego, diminuirá a criminalidade. A chave é o emprego massivo nas obras públicas, na indústria, na extracção de minérios, no turismo, enfim... Como diria James Carville, o estratega da vitória eleitoral de Bill Clinton em 1992, “it´s the economy, stupid”.

Comentários