Manuel António, jornalista
«A concorrência televisiva ainda é embrionária»

Manuel António, 49 anos de idade, está ligado ao jornalismo há 32 anos, por via da TPA. Fez a sua formação superior em Portugal e está actualmente emprestado a diplomacia angolana, na Argélia, nas vestes de Conselheiro de Imprensa. Nesta sua passagem pelo País, dissertou para os estudantes da UPRA e para oficiais superiores das FAA. Defrontou-se com uma nova realidade mediática, principalmente em matéria de telejornalismo, e mostra-se esperançoso nos seus frutos, desde que estes obedeçam ao triângulo: produto-horário-público.

Entrevista de ADEBAYO VUNGE
Fotos de AFONSO FRANCISCO

Nos últimos meses, o panorama televisivo nacional sofreu grandes alterações com a entrada em funcionamento da primeira televisão privada angolana. O que lhe parece?
O país ganhou porque pela primeira vez vai haver concorrência entre dois produtos nacionais. Isso é um ganho significativo! De 1992 para aqui a concorrência apenas era entre a TPA e os canais estrangeiros. Hoje, o que está em causa é a criação de produtos nacionais de qualidade. Penso que uma televisão privada vem para estimular e dar outro sentido ao nosso mercado do audiosivisual.

Acha que isso tem já reflexos na criação de conteúdos de qualidade?
Isso está no embrião... Começou e só dentro de dois ou três anos sentiremos os frutos. Agora, para que isso dê frutos é preciso que haja uma correcta gestão de recursos humanos e se potenciem os quadros com capacidade e com um bom desempenho profissional, para que possam criar bons produtos e de qualidade. Não apenas para satisfação do sentido comercial, mas orientados para o sentido de Nação que nós somos. Por exemplo, o processo de reconstrução nacional não pode ser só visto no sentido político e do betão, mas também nas suas dimensões soclológica, cultural e antropológica que têm de ser desenvolvidos ao nível da difusão.

E em matéria de teledifusão, há um modelo que passa agora a ser posto em causa, com o surgimento do novo paradigma?
O problema é que ao longo destes vários anos, a TPA acomodou-se porque não tinha um concorrente directo. Portanto, mesmo os consumidores a quem a TPA servia não tinham grandes elementos de comparação, mas hoje este problema está resolvido porque eles já vêem outras estações de televisão, logo abriram o horizonte visual e o grau de exigência é maior. Agora, quem tem de se adaptar a esta nova realidade são as estações de televisão. Neste caso, a TPA e a Televisão privada é que terão de moldar-se de boa informação para que possam coptar o público.

Quando a preocupação é muito orientada para as audiências há o risco de se cair naquilo a que os teóricos chamam de «Nivelamento por Baixo». Ou não será assim?
Este risco há sempre, mas nós ainda não estamos neste estágio de desenvolvimento. O aspecto comercial das estações ainda não pesa, os anunciantes são os mesmos e o nosso mercado a nível da difusão não exige grandes valores de propaganda. Por isso, penso que a estruturação do audiovisual em Angola não foge a realidade política e social que se pretende. Nós tivemos um período de guerra muito longo e destruiu quase tudo, mas com a paz este processo foi reconfigurado. É preciso agora despir-se daquela difusão monolitica para uma comunicação mais construtiva e elaborada. Quer dizer que, o mercado vai exigir cada vez mais racionalidade da difusão. Ninguém irá consumir produtos negativos porque quanto mais órgaos de comunicação social houver, mais o público irá exigir.

Há algum modelo que se adapte, neste sentido, a realidade angolana?
Eu sempre defendi o modelo sul-africano e por uma questão simples: eles conseguem destrinçar o entretenimento voltado para o comercial e o serviço público; eles conseguem criar uma harmonia plena e penso que a chave da questão está ai. Quem consegue articular os valores básicos da comunicação cria uma harmonoa que respeita os públicos, numa estratégia de difusão entre os públicos, os horários e o conteúdo. Se isso estiver bem harmonizado, estou convencido que as audiências virão por arrasto. Os programas sociais, de entretenimento, de humor e outros, por exemplo não podem ser feitos de forma casuística, têm que obedecer uma estratégia de difusão.

Esta realidade já é plausível ou estamos ainda na esfera do devir?
Olha esta é a esfera do ideal porque até aqui tinhamos uma estação monolítica, sem concorrências, mas hoje a concorrência sente-se no âmbito interno e externo porque hoje vivemos na era global onde todos os sinais estão em nossa presença e se nós não tivermos a racionalidade suficiente na recepção destes conteúdos iremos consumir coisas que não nos dizem respeito e tirar deles os maleficios, como também o contrário. Não pertencemos a uma realidade isolada, mas o que é preciso é equacionarmos isso a realidade local e que ajude a interpretar os outros concidadãos neste sentido. Nós não podemos passar para a juventudade valores que mutilem a nossa organização social, logo temos que nos preocupar com os produtos que consigam trazer isso – boa informação, programas educativos, entretenimento, investigação jornalística. Tudo isso deve vir harmonizado nas grelhas de programas das estações, até para passarem bons valores ao público.

Acha que as estações têm uma audiência sobre a qual devem se preocupar e orientar o seu esforço?
Eu penso que sim. Pelo que vejo e acompanho: até aqui as pessoas vêm mais os noticiários e tirando isso passam a vida a ver novelas nas outras estações.

Será que é isso que o público quer? E será isso que as estações devem então oferecer?
O nosso público não quer novelas, mas dentro do critério de escolhas é o que de melhor encontram porque eu acredito que se tivermos bons trabalhos de ficção, bons comentários, bons conteúdos, harmonizado com os melhores horários, eles irão preferir ver o que é nacional, mas se o que me é dado não é o melhor procura-se alternativas... Entramos na lei da concorrência, onde as pessoas vão para o que acham melhor.


Em caixa
“As televisões devem preocupar-se com as quotas do
produto nacional que passam na sua programação”

Que papel estará reservado a televisão no actual quadrante sócio-político?
Eu tenho sempre dito que depois da revolução industrial, a mais forte que existe é a revolução da informação e hoje vivemos a era da robótica. Mais do que nunca o agir profissional dum meio de comunicação social tem exigências elavadas e obriga até a um certo vanguardismo porque hoje quase ninguém passa sem televisão... e se há esta massificação elas terão que ter um agir um profissional responsável e adequado ao meio. As estações de televisão deverão preocupar-se com as quotas do produto nacional que devem passar na sua programação; entrosamento das forças nacionais com o continente, os produtos de difusão africana e só então os do resto do mundo. Mesmo nesta estrutura de pensamento precisamos sempre ter em atenção que produtos vamos inserir no mercado e não por mero acaso. Ela tem que ter sentido porque há orientações de Estado que devem ser acauteladas.

Na Europa isso está acautelado com as directivas comunitárias. Entre nós como será?
Nós temos uma Lei de Imprensa e hoje a maioria dos países não permitem uma difusão de livre arbítrio. Hoje para abrir uma estação é necessário que haja licenciamento e ao fazeres isso estás a abrir com critérios que devem ser cumpridos, tem de obedecer a leis e outras regras e nós estamos a evoluir para este sentido, porque isso é que eu defendo que estamos num processo embrionário. Só agora é que estamos a pensar de forma estruturada e racional o tipo de comunicação que queremos para o país. Nós demos já passos qualitativos. Primeiro foi a lei de imprensa.

Mas já antes havia uma lei de Imprensa.
Sim, mas não estava adequada ao actual momento porque nós saímos de uma estrutura monolítica para uma sociedade aberta. Logo, é preciso que haja uma reconfiguração de quadro porque as leis são feitas pelos homens e para os homens. Não há aqui um quadro estanque e é da revisão que temos vindo a melhorar. Por exemplo, esta abertura no mercado do audiovisual é um ganho extraordinário mesmo que seja o embrião. Acabamos agora o conselho consultivo e a reunião dos adidos... os meios de Comunicação passarão a ter Conselhos de Administração e isso significa que os os meios terão de ter uma gestão moderna e racionalizada onde todas as estratégias de comunicação pela concorrência exigida do mercado nos impossibilitarão e ela passa a ter uma papel importante.

Qual é hoje o perfil requerido ao jornalista?
Do meu ponto de vista, quando eu entrei para o jornalismo o nível era de 6ª classe – podem me dizer que esta era mais estruturada, mais cabal, mas do do meu ponto de vista era muito limitativa da interpretação dos fenómenos complexos. Para fazer jornalismo de investigação tem que se ter cultura e neste sentido o agir técnico não é suficiente porque se exige racionalidade. Isso é que diferencia. Esta racionalidade na nossa informação é muito recente e eu próprio fiz parte dos primeiros que foram formados neste paradigma. Até então só se formava as pessoas em jornalismo. O agir era muito mais profissionalizante do que académico. Hoje as coisas abriram-se, fala-se de comunicação e não apenas de jornalismo que é apenas uma componente da comunicação. Há ganhos.

Há quem diga que anteriormente, naquele quadrio referencial se fazia melhor jornalismo do que é hoje?
Concordo e discordo e vou-lhe explicar porquê. No passado , pela educação nós tinhamos a cultura do livro e mesmo as pessoas com apenas a 4ª classe tinham uma desenvoltura mental e um melhor conhecimento dos fenómenos mundiais e hoje com o afunilamento e o facto das pessoas lerem menos e ficarem presas ao que os meios de comunicação social falam logicamente que perdem o valor e a capacidade de interpretação do mundo.

Mesmo quando a sociedade exige algo mais dos jornalistas?
Sim, mas o jornalista não deixa de ser um homem comum... se um individuo não se alimentar ele próprio para atingir determinados patamares do conhecimento então deixa de ter qualquer hipotese porque não é pela designação que lá chegará. Se não houver esforço de estruturar o pensamento fica ultrapassado pelo tempo. Daí que o mercado tenha evoluído. E mais, se os nossos comunicadores não se elitizarem para esta fase seguinte em que há concorrencia e onde os melhores irão marchar...quem não se actualizar sujeita-se a ficar para trás. As Universidades estão aí e já existem vários polos – começou com ISPRA, foi a UAN, agora está na Independente e não sei mais onde – o leque e a concorrência tendem a ser cada vez maior. Eu tive a feliz sorte de começar bem, com bons orientadores e depois passei para a cientificidade, sou por isso dos poucos com capacidade para pensarem a televisão. Fiz essa marcha e tive louvores da UNESCO por isso.

Continua ligado a UNESCO?
Não, de quando em vez eles pedem-se alguns trabalhos e em função da minha disponibilidade vou dando. Porque depois de ter feito a incursão a nível do grupo técnico do MCS onde pude visualizar a comunicação e a política hoje deram-me a possibilidade de olhar para a comunicação na diplomacia. Parace uma questão simples, mas ela é complexa.

Como assim?
As envolvências, o aceitamento, a visão que se tem dos decisores em relação a este processo comunicacional. Mas temos estado a marchar bem, tanto que o estatudo dos adidos de imprensa será brevemente um facto fruto de uma luta já longa, embora eu só há pouco tenpo esteja na diplomacia há pouco tempo, mas isso já vem de tras, mas esta desrugulação no sentido profissionalizante está a criar outra regulação, ou seja, um jornalismo respionsável e racional. E, ai o Ministério da Comunicação Social tem estado a criar maior regulação do sector ao nível das leis para bem servir a classe jornalística do nosso país e para potenciar o tal desenvolvimento da concorrencia salutar e racional.

Como tem sido esta pepal de cuidar da imagem de Angola na Argélia?
Esta área tem três pilares: extensão do serviço público do Estado no estado em que somos inseridos; procurar criar fluxos de informação de dentro para fora e vice-versa; fazer conhecer o país lá e dentro do possível o inverso e o outro é a política de lobby para chegar os meios de comunicação social e dar-lhes acesso que se passa no nosso país, porque a pessoa pode chegar a um jornalista e falar de Angola, mas as pessoas as vezes nem sabem se fica em África ou na Ásia...

Tem acontecido?
Acontece, hoje nem tanto por boas e más razões. A nossa guerra longa potenciou muito a imagem do país, mas nosso basquetebol no bo sentido poetenciou grandemente o país que é o campeão africano há milhares de anos... depois segue-se o CAN 2010 e quer dizer num país que esteve tanbto tempo de guerra assumnir esta responsabilidade e isso cria grandes expectativas quem são esses que com tantos problemas assumem este desafio. Nós ao nível da diplomacia procuramos explorar isso. Este trabalho não é fácil, é uma ginástica enorme e temos que criar visibilidade ao país para que a imagem do país seja ainda melhor.

Perfil

Manuel António nasceu em Luanda em 1960. Aos 17 anos ingressou nos quadros da TPA onde passou por diferentes áreas de informação e programas. Foi autor da transformação do Desporto para Todos em TV Desporto, ainda hoje existente. Do mesmo modo, trabalhou nos programas Migrações, TV Rural e Parlamento. Em 1991 parte para Portugal onde foi um dos primeiros angolanos a se licenciar em Comunicação Social, na Universidade Nova de Lisboa e um Mestrado em Televisão no ISCTE. Estagiou na SIC, sob orientação de António Borga graças a um escopo de grelha que concebera então para a SIC. É autor da obra Um Olhar e Pensar a Televisão. Professor Universitário, tem outros escritos que pretende publicar nos próximos tempos. Actualmente é Adido de Imprensa da Embaixada de Angola na Argélia.

Fonte: Nova Jornal

Comentários