O Segredo dos seus olhos



Tal como o que se passa com o teatro, um pouco, e com a música muito mais, defendo que a produção de cinema (video se quisermos ser mais rigorosos) entre a actual geração merece a nossa viva consideração e apreço. Não tanto pela qualidade, mas pela quantidade pois é daí que sairão alguns bons realizadores, produtores, guionistas, actores, enfim. Não há dúvidas também que este movimento precisa do minímo de orientação (formativa) e de aprimorar o seu sentido estético e de conhecimento da sétima arte. E isso faz-se não apenas com Hollywood. Faz-se quanto a mim, com a busca pelo cinema alternativo. Neste caso, a Nigéria, África do Sul, Irão, França, Itália e alguns países sul-americanos são um bom exemplo que não devemos ignorar. Fruto disso, volta e meia, têm alguns dos seus filmes nomeados entre os Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.


Nos últimos tempos, a convite de alguns parentes, debruçamo-nos a ver alguns destes filmes numa sala marginal ao circuito internacional na magnifica Londres – e é pena que ainda não tenhamos esta possibilidade e não há como ser assim se continuamos tristemente confinados ao bendito CinePlace. Precisamos de mais salas, para ver mais filmes de origens diferentes. Cruzei-me então com o coroado com Oscar de Melhor Filme Estrangeiro da última edição dos prémios da Academia de Hollywood em Março último. Nada mais nada menos que “O Segredo dos Seus Olhos” (com o título original em espanhol El Secreto de Sus Ojos, 2009). "Todo mundo gosta de ouvir uma boa história", esta frase é do actor argentino Ricardo Darín numa conferência de imprensa após a indicação ao galardão. E esta é também a primeira impressão com que ficamos após assistir ao filme.


Na película, Darín interpreta Benjamín Espósito, um reformado funcionário judicial que procura escrever um livro. O tema que ele escolhe para o seu livro é o caso criminal que mais marcou a sua carreira no Tribunal Penal de Buenos Aires – cuja infra-estrutura arquitectónica é majestosa. Para ordenar as ideias, ele revê o homicídio que investigou 25 anos antes, isto é em 1974, e termina repensando as decisões feitas no passado com base em flashbacks. Nessa busca vai tentar descobrir se consegue encerrar esse caso e alguns capítulos da sua vida. Espósito terá sempre ao lado a tentação da sua impecável superior Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil, atriz revelação do filme) e a companhia do fiel escudeiro Pablo Sandoval (Guillermo Francella, que garante uma participação dramática de peso, algo fora do comum na sua carreira de comediante). Os acontecimentos, assim como os outros personagens que povoarão a história, são apresentados aos poucos, como se saíssem da cartola, controlados com extrema precisão pelo realizador Juan José Campanella.

O elemento central à trama é um crime, há poucos tiros e nenhuma explosão. A tradicional adrenalina das perseguições de carro típica dos filmes hollywoodianos é muito bem substituída por uma bela sequência de imagens aéreas de um estádio de futebol lotado em pleno fervor do jogo. Ou seja, tudo redimensionado a escalas mais humanas e realistas.

Baseada no livro La pregunta de sus ojos (A pergunta dos seus olhos), de Eduardo Sacheri, a produção é argentina e espanhola com um orçamento modesto de cerca de três milhões de dólares muito bem distribuídos entre as sete semanas de filmagens, os actores de primeira e os cenários simples, mas impactantes - como o majestoso edifício central dos tribunais de Buenos Aires e as cafeterias da capital argentina, que não precisam de retoques. A bela fotografia também merece destaque e o enquadramento só peca pela repetição muito constante dos desfoques de primeiro plano e pela maquiagem.


Poderíamos ser levianos e afirmar que este é só mais um triller policial “a CSI”, sem recursos aos tiros e explosões. Não. É claro que não. Este filme traz a cena o que há de melhor e o de pior no genes humano. Examina e desconstroi os conceitos de justiça e vingança, com o crime a funcionar como o elemento mais visível, mas escondendo-se atrás dele uma belíssima, mas súbtil história de amor, um estudo sobre a memória, e um olhar sobre a sociedade Argentina dos anos 70, sobre a justiça, a corrupção e a vingança.


É, no fundo, a sua dedicação ao estudo da condição humana que faz de O Segredo dos Seus Olhos – muito próximo do lendário Hitchcock sem perder a essencia latinoamericana um filme poderosíssimo e capaz de revelar-nos temas com os quais qualquer pessoa consegue facilmente identificar-se, independentemente da sua origem geográfica ou social, essencialmente à análise do homem pelo que ele é, do que faz a humanidade: amor, paixão, ódio, inveja, fraqueza, luxúria, amizade, arrependimento, maldade, etc. É tudo isto e muito mais que nos define, quer recuemos ou avancemos no tempo, ou viajemos a qualquer ponto do planeta.


Recomenda-se a sua procura no Youtube ou ainda a sua compra em dvd nas principais lojas a partir de Setembro.


Por: ADEBAYO VUNGE

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