Uma Ode ao Waldemar Bastos



O músico angolano Waldemar Bastos foi o cartaz do último espectáculo da 5ª temporada do Show do mês, depois do incidente que envolveu a Nova Energia e o músico Matias Damásio. Repôs-se assim o conceito.


Da rumba ao jazz, do semba ao sungura, as pitadas de Afro-pop de Waldemar Bastos confirmam que ele é um herdeiro da angolanidade profunda, aquela que nos transporta para as nossas coisas, ouçamos o seu hino sobre o carnaval, mas num dialogo permanente com o Mundo.

Waldemar Bastos, que há alguns anos não era visto nos palcos em Angola, por razões que desconhecemos, aliás nem ele próprio tem certezas se não o facto de se sentir afastado desde o último FENACULT, em 2014, dizíamos, o show do mês com Waldemar Bastos foi magistral. Cantou e encantou durante um concerto que se prolongou para lá das duas horas e meias, mas deixando as pessoas com vontade de dobrar e voltar. E como ele próprio canta – “Nadapandula Sukuyangue” por nos brindar com um músico angolano deste calibre.

Dono de uma musicalidade própria que se combina com uma certa espiritualidade para corporizar o que de melhor se pode exaltar de nós mesmos, Waldemar Bastos é um dos expoentes máximos da música angolana ao lado de outros nomes como Bonga, Elias Diakimuezo, Paulo Flores, Eduardo Paim, Carlos Lamartine, Carlos Burity, para além de outros da new wave e que nos deixam muitas vezes a garantia de um futuro certo.

Ora, Waldemar Bastos encarna a tradição dos ancestrais do Reino do Kongo, afinal a sua terra natal é Mbanza Kongo, não obstante ter crescido no sul de Angola. É aqui o esteio do artista, nesta combinação de idiossincrasias cujo tronco comum é a cultura bantu e cujos valores precisamos recuperar e salvaguardar. Valores do chamado ubuntu, da solidariedade ao sentido de justiça e de pertença, defendendo com honra o bem comum e colectivo, a noção ética de estar que nos leva a admitir que só existimos em sociedade e portanto devemos ter essa noção clara de cidadania, também ela interpretada aqui na sua dimensão cultural.

É essa riqueza cultural que encontramos na poética e musicalidade expressa pelo nosso ícone da Pitanga Madura. Ele próprio uma prova de amadurecimento musical levando-nos, no show que assistimos na passada sexta-feira, para uma viagem de quarenta anos pela sua carreira artística e entrando e saindo por tonalidades vocais que só os melhores o conseguem. A sintonia com a banda foi notável e por isso à dimensão dos grandes confirmou o estatuto monumental de executantes nossos como Boto Trindade, Teddy Nsingui ou ainda o incontornável Joãozinho Morgado. Eles teriam lugar em qualquer uma das grandes bandas deste mundo, o que confirma a fraqueza da nossa projecção no Mundo, não obstante o trabalho feito particularmente por Waldemar Bastos e Bonga. Quando se fala de música ou de músicos angolanos, ainda é deles, mas poderíamos seguramente ter uma projecção maior, ultrapassando os limites geográficos do espaço lusófono.

A este respeito, lembro-me, no verão de 2012, enquanto Adido de Imprensa na Embaixada de Angola em França, ter ido em missão de serviço a Toullouse onde iria actuar, num festival musical o conjunto Angola - 70 e Bonga. Ainda o grande Zecax era vivo. Numa praça pública daquela região, cerca de três mil pessoas lotaram o espaço e o Zecax foi a sensação. Sei que ainda houve outros convites, mas quis o destino que aquele nos deixasse.

Mas o Waldemar Bastos regressou a terra, cheio de vontade e com muita determinação para encher o palco com o perfume da sua voz e guitarra, fazendo-nos lembrar ícones como Carlos Santana. Eleva a música para uma dimensão transcendental e até filosófica. Para lá dessa miscelânea de estilos e países por onde passa, vejamos o seu conceito “Preta luz”, título de um dos seus álbuns.

Da rumba ao jazz, do semba ao sungura, as pitadas de Afro-pop de Waldemar Bastos confirmam que ele é um herdeiro da angolanidade profunda, aquela que nos transporta para as nossas coisas, ouçamos o seu hino sobre o carnaval, mas num dialogo permanente com o Mundo. Veja-se ainda o disco Clássicos da Minha Alma, que o próprio levou-me a ouvir, em primeira mão, na véspera do seu lançamento, num agradável tour por Lisboa.

Ouvir Waldemar Bastos faz-nos ter um orgulho incontido em sermos angolanos. Amar a nossa terra e as nossas gentes, a nossa cultura. E como escreveu o poeta: a ela havemos de voltar.

Nós somos o Humbi humbi que não tem qualquer medo do Katchimbamba. A nossa terra e as nossas gentes têm esperança e fé na força que brota do café plantado, no petróleo cujo preto se faz luz, no gingar das angolanas e na alegria das danças do Carnaval, a Teresa Ana que se traduz na zungueira com a sua kinda de frutas a cabeça – Olha a laranja, minha senhora. Por tudo isso e muito mais que não cabe nas páginas desta coluna, a minha singela ode ao Waldemar Bastos.

  
(IMPRESSÕES DIGITAIS

Adebayo Vunge

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