Ruy Duarte de Carvalho – o antropólogo do sul



Pela segunda vez, e em menos de uma semana, somos confrontados com a morte de figuras insignes na sociedade angolana, ou pelo menos entre algumas pessoas. Desta vez é pela morte do culturalista e figura de grande envergadura que escrevinhamos aqui estas linhas.


Há cerca de dois anos “reformado”, Ruy Duarte de Carvalho estabeleceu-se numa das cidades modernas mais bonitas de África – porventura menos conhecida – situada na Namíbia, a bela Swakopmund, a poucos kilometros do porto de Welvis Bay, a segunda maior cidade da Namíbia. Foi lá que foi encontrado na manhã desta quinta-feira e já sem vida. E segundo o seu filho em declarações ao jornal português O PÚBLICO, porque Ruy Duarte de Carvalho não dava notícias há alguns dias.
Nascido em Portugal, naturalizou-se angolano em 1983 por motivos que, como explica no catálogo do ciclo que o Centro Cultural de Belém lhe dedicou em 2008, se prendem com o sentimento, de que teve consciência aos 12 anos, depois de a sua família ter emigrado para Moçâmedes (Angola), de que tinha ali a sua "matriz geográfica", resume isso em “sou um angolano de opção e condição”, dizia de si. Em 1989 recebeu o Prémio Nacional de Literatura e o seu "Desmedida Luanda, São Paulo, São Francisco e Volta, Crónicas do Brasil" (Livros Cotovia), recebeu o Prémio Literário Casino da Póvoa, atribuído no âmbito do encontro Correntes d'Escritas na Póvoa de Varzim de que foi assíduo participante ao lado de Manuel Ruy Monteiro e Ana Paula Tavares, por Angola.
A sua formação passou pela Escola de Regentes Agrícolas de Santarém, pelo curso de realização de cinema e televisão em Londres (realizou filmes para a Televisão Pública (ao tempo Popular) de Angola e para o Instituto do Cinema de Angola) e pelo doutoramento pela École de Hautes Études en Sciences Sociales de Paris com uma tese dedicada aos pescadores da costa de Luanda, com o título "Ana a Manda" (1989) – adaptada ao teatro. Filmou a noite da independência de Angola (10/11 de 1975), quando estava a rodar no município do Prenda, "a bandeira portuguesa a ser arreada e a de Angola a ser hasteada", como se lê no catálogo do ciclo do CCB. Com grande genho, foi no cinema que se notabilizou inicialmente, em particular após a realização do filme "Nelisita: narrativas nyaneka" (1982), uma referência do cinema angolano, conforme nota José Mena Abrantes no seu catalogo sobre os dez anos do cinema angolano.
Foi professor de Antropologia Cultural das universidades de Luanda – hoje Agostinho Neto, no departamento de Arquitectura onde foi responsável pela formação de várias gerações de arquitectos angolanos, foi igualmente professor da Universidade de Coimbra e da Universidade Federal de São Paulo, além de ter sido professor convidado da Universidade de Berkeley, na Califórnia.
O seu trabalho como antropologo era muito mais do que a docência. Homem do campo, defensor de Levy-Strauss, estruturalista convicto, Ruy Duarte de Carvalho registou grande parte do seu trabalho e deixa-nos por isso um legado de grande valor sobre o conhecimento dos povos do sudoeste de Angola e norte da Namíbia, particularmente os Kuvale, Nyaneka Humbi e os Mucubais. É autor de "Vou lá visitar pastores" (1999), da poesia de "Chão de Oferta" (1972) ou "A Decisão da Idade" (1976) - a sua poesia está reunida em "Lavra" (2005). Assinou ainda os diferentes estilos de "Actas da Maianga" (2003), "Os Papéis do Inglês", "As Paisagens Propícias" (2005) e descrevia a sua obra como "meia-ficção-erudito-poéticoviajeira". Embora não faça parte do canone literário angolano, não é menos verdade que a sua obra com escrita cinematográfica – seja na poesia como no ensaio ou mesmo na ficção narrativa – aborda temas que configuram uma procura da angolanidade partindo da sua base histórico-antropológica compreendida.

Adebayo Vunge
Londres, 12 Agosto 2010

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