Artes Negras Festival Mundial em Dakar


África está em Festa. Mas esta é uma festa igualmente universal. A celebração decorre desde o passado dia 10 e prolonga-se até ao último dia do ano, tendo como palco a cidade de Dakar, no Senegal

Texto de ADEBAYO VUNGE (1)

«O próximo festival não deve ser uma adição de acontecimentos. Deve ilustrar uma mensagem. Qual é a sua natureza? Emitida por quem? Destinada a quem? Através da cultura, por intermédio de uma formulação muito nítida e clara».

«O que é que África quer transmitir ao resto do mundo?», interrogou o Presidente doSenegal Abdoulaye Wade, para paradoxalmente clarificar os objectivos da terceira edição do Festival Mundial de Artes Negras: “uma visão nova de uma África liberta, criativa e optimista”.

O programa do Festival é bastante amplo e inclui várias modalidades artísticas e culturais como Arquitectura, Arte e Fotografia, Cultura Urbana, Fóruns, Espectáculos, Gastronomia, Literatura (onde se aguarda a presença do Nobel nigeriano Wole Soynka), Moda, Design, Artesanato, Música, Ciência, Tecnologia e Desporto.



Um dos segmentos que tem coptado amplamente a atenção da imprensa mundial, com destaque para o Courrier International e a RFI prende-se exactamente com os espectáculos musicais.

Assim, por Dakar devem passar alguns dos grandes vultos da música africana na actualidade com destaque para o tocador de kora, o maliano Toumani Diabaté, vencedor de um Grammy de Melhor Disco de M´suica Tradicional (n the heart of the moon), para além de outros nomes sonantes como Angelique Kidjo, Youssou Ndour, Mohetella Queen.

Segundo Aziz Dieng, Comissário para música, o programa musical do Festival tem como dupla ambição “testemunhar a rica herança das músicas negras e informar sobre a sua vitalidade” ao resto do mundo.

Entre a inevitável diversidade das músicas que serão ouvidas figurarão em devido lugar as grandes correntes do continente que enriqueceram de maneira indiscutível as estéticas musicais contemporâneas: os coros sul africanos, as músicas negras do Vale do Nilo e do Magreb, a Rumba congolesa, o Afro Beat e o High Life da Nigéria, as músicas mandingas, a Pop senegalesa, o Makossa, a música Cabo verdiana, o Coupé Decalé, num cruzamento de estilos e ritmos como o Blue e jazz, salsa, reggae, zouk, samba e bossa nova.

Seguramente, algumas correntes se mostrarão surpresas com estilos que bebendo de África não são mais exclusivamente africanos. Aziz Dieng é claro: “as músicas de África tecerem através da Diáspora casamentos de amor com outros idiomas. Desses encontros feitos de sofrimentos incríveis nasceram contudo, em reposta a um irresistível apelo à vida, músicas extraordinárias: o blues, o jazz e os seus diversos derivados, a salsa, o reggae, o zouk, a samba, a bossa nova, só para citar algumas delas. Figuras artísticas representativas de todos esses triunfos da vida contra as vissicitudes da história serão presentes”.

Segundo nota o historiador Simão Souindola a partir de Dakar, os primeiros dias foram marcados por inauguraçoes, nos diferentes salões do Complexo Rei Fahd das Almadies, das significativas exposições sobre o Egipto antigo ou ainda uma delas relacionada às "Grandes Figuras da Resistência do Mundo Negro", para além de uma evocação às figuras femininas de destaque da evolução histórica deste espaço.

Esta última apresentação foi realizada pela organização belga "Cooperação pela Educação e Cultura".

O conjunto desses suportes iconográficos integrara o magnífico Museu da Memoria, que foi edificado na marginal, em plena modernização da metrópole senegalesa, no frontispício de Goree, a célebre ilha dos escravos holofes, mandingas, balantes e fulas.

Esta inauguração será, igualmente, seguida da abertura de, entre outros sítios culturais, do moderno Museu das Civilizações Negras que contará uma relação de heróis, resistentes, panafricanistas, líderes políticos, cientistas, homens de letras, cujos nomes serão gravados neste revalorizante sítio de memória e os seus altos feitos, animados pela graças da taumatúrgia digital.

Notar-se-á, dentre as centenas de figuras históricas que integrarão este panteão do Mundo Negro, o Farão Menes, o Mansa Soundiata Keita, o Nkosi Chaka, o chefe rebelde Benkos Bioko, primeiro organizador da inexpugnável San Basilio de Palenque, no setentrião colombiano, o escritor, escravo alforriado, Olaudah Equiano, os exploradores Matthey Ahenson e o « congo » Jean Baptiste Pointe Du Sable , cientifico, com cinquenta invenções, Elija Mc Koy, o estratega militar afro-canadiano Richard - Pierre Pointe e o homem poltico Booker T. Washington.

Recorde-se que a história do Festival Mundial de Artes Negras remonta ao tempo do Presidente Leopold Sédar Senghor, em 1966, sendo que a segunda edição se realizara na Nigéria em 1977. Nele, participam artistas de todo o mundo, não se limitando aos africanos.

Este ano, há uma presença significativa de artistas do Caraíbe, com destaque para o Brasil cuja caravana integram nomes como Gilberto Gil, Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Paula Lima, Chico Cesar entre outros.

O Carnaval do Rio de Janeiro, a mais importante e mais mediática manifestação cultural do Brasil, estará igualmente presente e fechará a noite Brasileira em Dakar, com a escola de Samba Império Serrano. O Carnaval de Salvador marcará também a sua presença com “turmas” dos grupos Ilê Ayê e Olodum.

Presença angolana em Dakar

Depois da sua brilhante presença na Expo Shangai terminada há pouco mais de um mês, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola volta a estar presente num palco de dimensão mundial. Deste vez, encontra-se presente desde a última terça-feira na 3ª Edição do Festival Mundial de Artes Negras que decorre em Dakar até ao próximo dia 30 de Dezembro.

A CDC Angola representará a dança contemporânea angolana que, pela
primeira vez marcará presença neste Festival, com a peça "Fragmentos de rituais circunscritos" da coreógrafa angolana Ana Clara Guerra Marques. Entre os vários elementos da presença angolana no Festival de Dakar consta igualmente o historiador Simão Souindola que integra o grupo ad hoc do comité científico do Festival.


Do mesmo modo, o performancista Nástio Mosquito participa com outros artistas contemporâneos africanos numa exposição colectiva de fotografia.

Em CAIXA

Rainha Nzinga e a Profetiza Kimpa Vita

Indicadas para o Panteão Negro

As duas heroínas «angolanas», que integrarão, dentre de outras irmãs africanas, o Panteão da cidade “federal” serão, portanto, a inevitável Rainha Nzinga Mbandi, soberana de Ndongo (1623) e a profetiza, primeira líder da tendência inculturalista africana do cristianismo, Kimpa Vita (1684 – 1706).

Grandes figuras da história africana, essas duas personalidades marcaram a evolução do centro do continente escravizado.

A Dupla “Dizonda” realçou-se, durante cerca e 40 anos, pela a sua coragem individual, a sua tenacidade em defender os seus territórios, as suas qualidades de estratega, a sua clarividência diplomático, as suas oportunas alianças militares com os Estados africanos vizinhos, a sua aproximação, conveniente, com a religião cristã, e a sua admirável inteligência politica, que permitiram o estabelecimento de um statu quo com a cancerosa Colónia de Angola.

Personagem histórica, fora de comum, a sua auréola e terrível fama atravessaram o Atlântico, para a Península Ibérica e o resto da Europa assim que nas Américas e Caraíbas.

Quanto à jovem Kimpa Vita, ela empreendera, após alguns meses de predição no antigo Reino do Kongo, uma poderosa cisma abertamente africanizante do cristianismo.

A fervente e massiva adesão das populações as campanhas religiosas realçando a existência de um Jesus e de anjos negros, levando, na ensilagem, uma mensagem politica anti-esclavagista de ruptura, provocou a colocação na fogueira da Santa, no dia 2 de Julho de 1706, nos arredores da actual cidade angolana de Mbanza Kongo, sob a incitação de Padres capuchinhos italianos. Dona Beatriz foi uma das grandes lideres melano-africanas, vítima da Inquisição romana.

Notar-se-á que o grupo ad hoc do Comité Cientifico da Terceira edição do Festival Mundial das Artes Negras, encarregue da “Panteonização” das Grandes Figuras do Mundo Negro foi dirigido pelo egiptólogo congolês, da margem direita, Theophile Obenga, Professor na Universidade de Califórnia em Los Angeles, o afro-brasileiro Zulu Araújo, Presidente da Fundação Palmares, a socióloga niger Aisha Bilkhair Khalifa de Dubaï e Jane Delois Blakeley, Presidente da Câmara Municipal de Harlem, em Nova Iorque. SS

(1) Publicado na edição 152 do Novo Jornal

Comentários