Londres, Setembro de 2010. Mais uma daquelas típicas manhãs cinzentas de Outono. Os chuviscos alteram com um raio fusco de sol. Acabo de chegar a estação de St. Pancreas, ou também conhecida por Kings Cross, vindo de Paris pelo Eurostar. É domingo, mas nem parece – digo isso porque exceptuando o futebol, este é um dia de descanso e enfadonho. Não parece domingo porque na Central London regista-se um movimento assustador de turistas e nem mesmo o weather os faz abdicar de apreciar os encantos da cidade, cortejada pelo Thames, em bus alguns e a maioria a pé.
Londres e o seu imenso aeroporto de Heathrow é uma das principais plataformas aéreas da Europa e do mundo que há poucos anos tem também ligação com Luanda. Assim, constata-se um aumento exponencial do número de angolanos a viajar em férias, estudantes e outros que lá se instalam na condição de residentes.
Longe daquilo que vimos habitualmente nos postais e outros souvenirs, como os guardas da realeza, os palácios da monarquia, Westminster e outros emblemas, deparamo-nos com uma metrópole marcadamente multicultural e principalmente multiracial. Quem pára em Picaddily ouve numa qualquer esquina, num mesmo minuto, vários idiomas qual Torre de Babilónia!
Certa vez, ao assistir a cerimonia de graduação de uma familiar, fiquei pasmado com a quantidade de negros – entre afrodescendentes e jamaicanos – que recebia o seu diploma. O número é efectivamente impressionante por se tratar de uma urbe europeia. E é ainda mais impressionante porque o número supera a quantidade de brancos naquela condição. E esta diferenciação não deve ser conotada aqui como racista, antes como fundamentada apenas na realidade. É verdade!
Ao contrário do que ainda acontece em muitos lugares – até mesmo noutras cidades da Inglaterra e do Reino Unido, em Londres o aspecto multiracial torna-se demasiado evidente no quotidiano. E por que digo isso?
Digo isso porque tendo os meus filhos a estudar numa escola privada, centenária e tradicional para a região onde vive a minha família, deparei-me com o facto de encontrar muitos afrodescendentes (quase fifty-fifty) entre os alunos e professores. E, numa cidade tão cara como Londres, e numa sociedade onde o sistema de ensino público é dos melhores, ter o filho a estudar numa escola privada é seguramente um luxo ao qual muitos dos nossos “brothers” estão a altura.
Digo isso porque nas ruas, nos supermercados, nos restaurantes, nos estádios, nos transportes públicos encontramos pessoas de várias raças e de diferentes extractos. Ou seja, parecia-me ser tal a integração dos negros que me cruzei com eles pertencendo as várias classes sociais como sejam negros pobres, de classe média e alta, tal qual noutras raças: pelas zonas onde moram, pelos empregos diferenciados, pela marca dos carros que conduzem, pelas zonas onde vivem e, portanto, pelo estilo de vida que evidenciam ter. Ao olharmos para estes incidentes na Inglaterra, é perigoso e simplista atermo-nos a questão rácica. Há seguramente outras razões.
Por isso, num olhar mais profundo, naquela sociedade – e isto torna-se mais clarividente em tempos de crise como os da actualidade uma vez que os conservadores prosseguem com a sua agenda política que passa pela redução dos benefícios do Estado social – há um grupo social demasiado dependente e viciado nestes benefícios que começa a apresentar mais dificuldades face aos cortes. E a resposta não tardou. Estamos a ver.
Mais. Um “erro clássico” dos anos setenta e oitenta quando começaram as primeiras vagas de emigrantes africanos para a Europa, desenvolveram-se alguns bairros (não propriamente os guethos da periferia de Paris) onde estas pessoas ficaram concentradas. Estes bairros estiveram inicialmente muito marcados pela violência, crime e segregação social embora nos últimos anos fossem conhecendo uma inversão positiva (fruto da mobilidade social ascendente de algumas daquelas pessoas) até ao dealbar da crise em 2008 e às recentes e ríspidas medidas dos conservadores. Fica assim claro que as causas dos incidentes são maiores e mais profundas do que o facto que os despoletou e com um cariz marcadamente sócio-económico.
Tal como os jovens do movimento 15M em Madrid, da Primavera Árabe, das manifestações em Israel, geração arrasca em Portugal, das greves gerais na Grécia e das passeatas estudantis no Chile, os jovens pobres e descendentes de imigrantes (não necessariamente negros) saem agora às ruas e expressam a sua revolta pelo “agudizar” da sua condição de vida. Talvez se trate de um movimento com pouca ideologia, mas carregado de ira – tal a violência dos actos, provavelmente desproporcional as causas. Só o tempo nos dirá sobre as consequências sociais e políticas para este país.
Para já, a nossa ilação mostra ser claro que a insanidade neoliberal, com o descontrole dos mercados e a incapacidade dos governos, concentrou riquezas, acentuou diferenças sociais e forçou a retracção do Estado Social, semeando, mais uma vez, a revolta, deixando estas pessoas de sofrer em silêncio.
Veremos o que nos reserva o futuro, mas por ora, por alguns pronunciamentos públicos, acredito que a sociedade inglesa sofrerá, perigosamente, algumas transformações, com uma incerteza clara no modo como lidarão com a diferença.
ADEBAYO VUNGE
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