O Embaixador de Angola em França reconheceu, em
Paris, que a Rainha Njinga Mbandi tem um lugar de destaque no panteão das
grandes figuras da história de Angola. Segundo disse o diplomata ao intervir na
abertura de uma mesa redonda para discutir o seu papel histórico. “Passados 350
anos do seu falecimento, remeto aos historiadores, sob pena de errar a
consideração de que a Rainha Njinga Mbandi foi a primeira grande figura
nacionalista da história de Angola”, afirmou Miguel da Costa.
Neste diapasão, a historiadora e diplomata de
nacionalidade brasileira, Annick Thebia Melson considerou a Rainha Njinga
Mbandi “uma figura lendária do seu tempo, que com a sua gesta heróica soube
preservar a soberania dos Povos de Angola e por isso tornar-se um símbolo em
toda a bacia do Congo”.
Nascida em 1587, disse, a Rainha Njinga Mbandi
conduziu uma expedição à Luanda, em 1622, a pedido do seu irmão e então
soberano do Reino do Ndongo, Ngola Mbandi, com o objectivo de negociar com os
portugueses que manifestavam interesse no comércio de escravos e nas minas de
cambambe. Considerada por isso, a primeira diplomata angolana, a histórica
rainha aprendeu a falar português e professou estrategicamente a religao
católica pela qual se deixou baptizar com o cognome de Ana de Sousa. “Algumas
vezes ela assina como Ana de Sousa – Rainha Njinga Mbandi”, refere o
antropólogo Virgílio Coelho e um dos animadores da mesa redonda para quem
apesar de ela ter aceite a religião católica, Njinga Mbandi preserva os valores
e rituais fundamentais da cultura bantu.
Segundo Annick Thebia Melson, que esteve em Paris, em
representação da Ministra da Cultura Rosa Cruz e Silva com quem trabalha no
Comité Cientifico do Projecto da UNESCO sobre os 350 anos da Rainha Njinga
Mbandi e o centenário de Aimé Cesaire, a antiga soberana do Ndongo “era uma
pessoa com uma inteligência excepcional
que foi formada para ser Estadista e guerreira e cedo percebeu o perigo
que representava para os Estados africanos a presença dos portugueses aos quais
decretou um Estado de sitio, mas era também uma pessoa por quem os portugueses
tinham um respeito indisfarçavel”.
Após suceder o seu irmão, e na relação com as
autoridades portuguesas, Njinga Mbandi estabeleceu uma relação directa com o
Rei de Portugal com o qual trocou farta correspondência agora igualmente
disponível. “Era uma questão de respeito e dignidade que ela impunha, embora
fosse africana. Os assuntos do reino tratava directamente com o seu homologo”.
Annick Thebia Melson reconhece entretanto que existem
muitos mitos em relação à fgura da rainha, a forma como ascendeu ao poder, em
1624, até à forma como vivia em sociedade ou como encarava a sexualidade. “Uma
coisa é certa, retorquiu a prelectora, os portugueses fozeram dela, algumas
vezes, uma santa e outras vezes o diabo, contando-se lendas horríveis ao seu
respeito”.
Ao mesmo tempo, assinala a historiadora ao serviço da
UNESCO, “de 1624 até à sua morte, ela empreende uma resistência permanente para
preservar a honra e a dignidade, numa geopolítica onde intervêem já vários
actores que não apenas os portugueses presentes em Luanda.
NJINGA NZINGA?
O antropólogo Virgilio Coelho, apresentado como um
dos grandes especialistas angolanos sobre a problemática do Ndongo, problematizou
algumas questões e aclarou outras, chamando atenção para o cuidado que deve
haver em certas terminologias de matriz bantu, cuja pronuncia se assemelha,
particularmente entre o reino do Congo e do Ndongo.
Nos estudos comparados, nota-se claramente que existe
uma similitude em determinadas terminologias. Porém, no tocante a designação
Njinga esta significa algo que se enrola pelo que isso poderá ter haver com a
forma como esta nasceu.
Antes, o também docente da Faculdade de Letras
esclareceu que as fontes de poder do reino dos Ngolas e neste caso de Njinga
Mbandi advêem de dois factores: O parentesco perpétuo e a ideologia dos Ndongo.
Segundo disse, a corte estabelece-se em Mbanza
Ndongo, ao mesmo tempo que Mwene a Ndongo, um sacerdote, é uma figura relevante
do reino onde a rainha, ao longo do seu reinado de cerca de 50 anos teve de
fazer frente a varias situações como a de um seu irmão, Wa dya Kiluanje que
traiu-a para se juntar os invasores portugueses.
Num reino descentralizado, a Rainha Njinga Mbandi,
segundo disse, era obrigada a fazer viagens anuais para marcar os limites do
seu território que iam, supostamente da Ilha de Luanda até Malange. E foi por
isso que um dos presentes interrogou-se sobre a delimitação de territórios em
relação ao reino do Congo de cuja literatura diz ser a sua capital financeira.
Virgilio Coelho defende que esta é do Ndongo, mas é cauteloso para afirmar que
“a informação arqueológica disponível é escassa e não permite-nos mostrar quem
são os primeiros povos que habitavam Luanda”. E tudo isso, embora as diferentes
fontes anunciem que o Reino Ndongo (séculos XI e XIII) emergiu posteriormente
ao Reino do Congo (séculos IX e XI).
Para além do filme sobre a Rainha Njinga Mbandi
lançado recentemente em Luanda, sob produção da Semba Comunicação, a
realizadora Sara Moldoror, presente no evento manifestou igualmente a sua
pretensão em produzir um filme sobre o mesma assunto. A mesa redonda decorreu
no salão nobre do edifício da Embaixada de Angola em França e contou com a
presença não só de Angolanos e franceses mas de outros especialistas
interessados na problemática da História e Antropologia Africanas.
LEGADO HISTÓRICO
A especialista brasileira afecta à UNESCO, Annick
Thebia Melson chamou atenção para o que ela considera ser o legado da Rainha
Njinga Mbandi: “precisamos todos repensar as bases da humanidade para
reconstruirmos hoje um mundo diferente onde não haja males como outrora foi a
escravatura ou a subjugação dos povos, coisas que ela soube combater e resistir
até a sua morte com 81 anos de idade”.
A historiadora lembra que a Rainha viveu 81 anos, o
que para uma mulher africana é um facto assinalável e que contribuiu
grandemente para a imortalizar. Alguns anos após a sua morte, um frei
capuchinho escreveu a sua biografia e muitas outras obras surgem sobre a sua
figura.
A também historiadora angolana, Conceição Legot
lembrou que é absolutamente vital dar corpo às directivas do PR para quem
devemos promover um estudo e maior divulgação sobre as grandes figuras da
história de Angola, aquelas pessoas que tenham dados contributos importantes
nao apenas para o Pais, mas também para a humanidade.
E nesta senda, o conhecimento sobre a Rainha Njinga é
praticamente universal. Para Virgilio Coelho, “é positivo que existam
investigadores estrangeiros que se interessam sobre essa matéria, mas esse
conhecimento tem de ser compilado e divulgado numa instituição angolana”.
Em termos culturais, existem relatos de que a Mulemba
Xangola que se encontra plantada algures no Sambizanga terá sido feito por ela
aquando da sua expedição à Luanda em 1622. As peugadas que existem nas pedras
de Pungo-a-Ndongo, segundo a tradição oral, serão dela. Os rituais de
entronização do Ndongo são ainda praticados entre os rituais do candomblé no
Brasil com o nome de Congados; ao mesmo, nas Caraibas existe uma actividade de
serau nocturno dos afro-descendentes onde há uma peleja entre galos e o
vencedor é designado como Galo Njinga.
Esta actividade inseriu-se na semana cultural
angolana em Paris que marca os festejos dos 38 anos da independência nacional.
Paralelamente, inicia em Dezembro próximo, em Luanda, a homenagem internacional
dos 350 anos da morte da Rainha Njinga Mbandi e o centenário de Aimé Cesaire,
numa organização conjunta da UNESCO e do Ministério da Cultura de Angola.
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