“Poésie Compléte” de Agostinho Neto apresentada em França





Diante de uma plateia onde pontificavam alguns embaixadores africanos acreditados em França, para além de diplomatas angolanos, africanistas e intelectuais, o Embaixador de Angola em França, Miguel da Costa revisitou a trajectoria de Agostinho Neto e considerou que “falar do percurso do Dr. Agostinho Neto e do seu engajamento e, na verdade, invocar um monumento histórico, um homem com grande sabedoria que tem uma tripla dimensão: em primeiro lugar é um médico de formação; um homem político, um patriota profundamente conhecedor da realidade do seu país. Em seguida, um homem de letras e cultura, que associou o combate político à identidade e a emancipação cultural”, disse na abertura da cerimonia.

Para o chefe da missão diplomática angolana, o engajamento do Presidente Agostinho Neto em prol da causa nacionalista é pleno e inquestionável, ao mesmo tempo que este não deve ser dissociado da sua geração onde assumiu um peso político e cultural importante o movimento “Vamos descobrir Angola”. Segundo lembra o Embaixador Miguel da Costa, “ele funda com esta geração uma verdadeira literatura de resistência onde o objectivo era o de denunciar e combater a colonização e seus efeitos perversos, mas também inventar uma forma de angolanidade tal como o movimento da negritude de Leopold Senghor onde o fundamento era, entre outros, o de promover a africanidade”.


Esta iniciativa da Embaixada de Angola de fazer a tradução da poesia completa de Agostinho Neto contou com o apoio da Fundação Agostinho Neto que se fez representar por Irene Neto. Na ocasião, a médica e deputada angolana agradeceu o gesto, no sentido em que este contribui para a disseminação da obra e lembrou os transtornos para se chegar a versão original de Renúncia Impossivel que considerou ser “um poema fantástico e que se revelou um dos mais contundentes pois traduz uma posição de consciencialização do homem africano em relação à opressão colonial e a civilização ocidental”.

A obra é uma compilação da trilogia – Esperança Sagrada, Renuncia Impossivel e Amanhecer – e foi traduzida pelos professores Jean-Michel Massa e Annick Moreau cuidou igualmente da revisão e actualização da bio-bibliografia.

José Luis Mendonça

“Criar poesia significava, para Agostinho Neto, afirmar a identidade cultural de uma Nação”



Na cerimonia de lançamento houve ainda espaço para declamação de alguns poemas em português e francês, bem como a intervenção de Rui Miranda e seu trio que procederam a adaptação musical de alguns poemas de Agostinho Neto como Quitandeira e Havemos de Voltar.

Durante o lançamento do livro houve igualmente uma conferencia sobre a poesia de Agostinho Neto, tendo como oradores o jornalista e escritor angolano José Luis Mendonça e o professor catedrático italiano Giuseppe Grilli.

Ao seu próprio questionamento - pode uma poesia ser considerada Negra pela mera afirmação de uma posição em face de um problema? – José Luís Mendonça afirmou:

“A resposta é clara. Há, portanto, nesta análise saída do colóquio de 1958, um sentido inconcluso, um certo hermetismo, que tolhe o seu perfeito entendimento. Só uma consideração do momento histórico em que esta conclusão foi elaborada (era colonial) nos permite dilucidar-lhe o enigma implícito. O laconismo foi premeditado. Mário António não podia, sob o regime colonial, alongar-se e esclarecer que a poesia de Agostinho Neto é poesia Negra de expressão portuguesa dada a sua afirmação de uma posição (de rejeição e condenação) em face de um problema (de opressão colonial do homem negro)”.

Segundo o orador, “outro aspecto que ilustra esta classificação de poesia Negra é aferida do carácter identitário da obra de Agostinho Neto, sobretudo os recursos estético-formais e o hibridismo linguístico inaugurado pelo Poeta, com inserções de versos inteiros em língua Kimbundu e a utilização reiterada dos referentes culturais africanos e angolanos (quissange, marimba, batuque, tambor africano, sanzala, musseque, soba, carregadores bailundos, kiocos contratados, escravatura, Cuanza, Talamungongo, Cunene, Mayombe, Madagáscar, Zaire, Lunda, Congo, quitandeira, mulemba, etc.)”.

E ele então conclui que “o poeta introduz na sua obra os mais variados géneros da escrita poética, tanto os colhidos do Ocidente (lírico, épico, dramático), quanto os bebidos na sua cultura Bantu (mimbu). Este é o caso muito particular dos poemas Havemos de Voltar e Caminho do Mato. Criar poesia significava, para Agostinho Neto, afirmar o africanismo, a identidade cultural de uma Nação representada nos seus versos, e essa afirmação constituía um esforço de negar, pela arte da palavra, os dogmas civilizacionais do colonialismo. Por isso, ele canta “As terras sentidas de África/ (...) fervilham-nos em sonhos/ ornados de danças de imbondeiros sobre equilíbrios/ de antílope/ na aliança perpétua de tudo quanto vive”.

Por sua vez, o Professor Italiano Giuseppe Grilli, considera que Agostinho Neto é para mim uma síntese do que é o encontro de culturas que sempre é um encontro de progresso, da civilização e da humanidade”.

Na sua apresentação, Grilli que coordena a Catedra de Agostinho neto na Universidade de Roma 3 afirma que “o que sempre se manteve vivo ao longo de toda a produção poética de Agostinho Neto é também outro aspecto que acho interessante nomear aqui, num contexto tão “europeo” como Paris, que é a sua grande solidariedade com a cultura não só lusitana, como tamém ibérica e portanto mais geralmente ocidental; isto tudo, porém, sempre sem cair no fácil risco de banalizar os conteúdos no sentido do folclorismo, como pode ser o recurso a estereótipos como a saudade e o primitivismo. A fidelidade à língua do colonizador – no caso da Angola o português – não deve ser interpretada como fidelidade ao colonizador e às políticas coloniais europeias, e sim como a procura dum laço, dum elemento de conjunção entre povos diferentes a partir do que eles têm em comum, com o objectivo de superar a dispersão tribal e religiosa e favorecer a alfabetização; este último ponto devia ser particularmente urgente no momento da Independência, quando o índice dos que não sabiam ler nem escrever marcava o 80% (oitenta por cento) da população”.



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