A reinvenção do jornalismo


Adebayo Vunge |
O jornalismo, nos últimos dias, esteve em evidência, devido a performance dos jornalistas angolanos na primeira conferência de imprensa do Presidente João Lourenço.
Obviamente, enquanto intermediário do espaço público (apenas?), os jornalistas estão também sujeitos ao crivo do público. Precisam (ou precisamos) de habituar-nos a este exercício e não devem(os) reagir mal quando esta abordagem é feita de modo bastante objectivo. Dispondo de apenas uma hora, e aqui talvez fosse bom apelarmos que em próximas ocasiões houvesse pelo menos mais meia hora, ficaram muitos temas e questões por abordar.

Alguns aspectos chamam por isso a nossa atenção. 

Em primeiro lugar, levanto questões técnicas do jornalismo, isto é, saber perguntar e saber o que perguntar são fundamentais nesta empreitada. Há um vício de forma instalado aqui onde os jornalista tendem a entrevistar com perguntas que trazem em si respostas, com preconceitos e pretendem às vezes impor o seu ponto de vista ao entrevistado.
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Também ficaram evidentes algumas questões sócio-culturais da práxis jornalística ou a ausência desta devido ao facto de que afinal estamos ainda pouco habituados a estas lides da sociedade de informação pós-moderna. Não se compreende porque faltaram muitos dos “gurus das redacções” a conferência de imprensa. É que nos Estados Unidos da América, em França ou no Brasil, onde este tipo de CI são comuns, as redacções enviam geralmente os jornalistas mais experimentados, o que  nem sempre foi o caso. As questões culturais foram igualmente notórias no curso da CI na medida em que uma resposta ou tema não esgotado é geralmente retomado pelos jornalistas seguintes, como de resto o fez o correspondente da RTP no caso Manuel Vicente. 

Ora, como professou o filósofo Jean-Jacques Rousseau - embora não tenha simpatias intelectuais com o seu pensamento – o homem é produto do seu meio. Obviamente, os jornalistas não escapam ao que se assiste entre nós. Ainda assim, defendo que é importante abraçarmos o jornalismo cívico na fase actual do nosso processo histórico, vis-á-vis o contexto mundial onde se postula a necessidade do jornalismo reinventar-se, pois, com as novas tecnologias, assistimos um fenómeno curioso de hiperinflação informativa, ou seja, há muita informação, mas pouca comunicação. 

O jornalismo, como tradicionalmente o conhecemos, não pode apenas preocupar-se com o meio/mensagem, deve olhar também para o interesse e expectativas do público. Por isso, o jornalismo cívico ganha grande proeminência nas questões políticas e sociais. Do ponto de vista político, podemos destacar aqui o combate a corrupção, promoção dos valores democráticos e direitos civis. Do ponto de vista social, podemos assinalar a promoção e práticas sociais atinentes a melhoria da qualidade de vida e o bem-estar geral das pessoas, em aspectos como a saúde, nutrição, saneamento básico, etc.

No Brasil, por exemplo, até a imprensa mais comprometida com a extrema-direita consegue cumprir o papel do jornalismo – informar, formar e entreter. Curiosamente, esta preocupação era mais evidente durante o consulado de Lula da Silva. Por exemplo, na TV Globo, programas como Pequenas Empresas & Grandes Negócios, o Globo Ciência ou separadores como o “Pequenas Porções”, com explicações sobre uma alimentação saudável e económica para pessoas de menor renda cumprem este desiderato. 

Ora, quando olho ao nosso contexto onde a escola tem sérias dificuldades, a família tem vindo a sofrer com vários fenómenos e os pais estão cada vez mais ausentes e a igreja nem sempre consegue assumir o seu papel social e não apenas espiritual, então acredito piamente que a imprensa deve engajar-se para uma participação mais activa na formação da sociedade. 
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Não basta informar. Não basta informar com verdade. Numa reportagem, não o jornalismo cívico informa apenas, traz alternativas para a resolução dos problemas. Assim, mais de que informar, o jornalismo forma o juízo crítico do cidadão (Hannah Arendt) concentrando-se em pontos de vista divergentes pois é pluralista e credível. O jornalismo pode abraçar causas e promover a construção de uma sociedade nova. Nitidamente os nossos médias podem fazer mais no combate as doenças evitáveis e na promoção dos valores cívicos e morais.

Por isso, não podemos continuar a conviver com programas que, a pretexto de entreter, nivelam-nos por baixo, destroem o pouco que ainda temos e acrescentam menos na formação desta Angola que todos almejamos.

Claramente, o jornalismo cívico confirma duas teses importantes da visão do jornalismo moderno: mais da que um contra-poder, o jornalismo é também um poder, ainda que não institucionalizado; o jornalismo é um actor importante do espaço público mediático e não é mais um mero intermediário ou espectador dos factos para os noticiar.

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