"Débrouillez-vous"

Adebayo Vunge |
Quando olhamos para o que é a República Democrática do Congo (RDC) hoje, é incontornável a necessidade de compreendermos bem a sua história do pós-independência.

A RDC é o país com a maior extensão geográfica do continente africano e um dos mais abastados no mundo em termos de recursos naturais, porém os episódios e as crises não param. E isso começa a estar, cada dia que passa, mais evidente no conjunto de obras históricas que são publicadas e dos documentos que deixam de estar classificados e disponíveis aos investigadores, especialmente em França, na Bélgica e nos Estados Unidos da América.
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Em qualquer um dos livros, o curso da História ou a sorte dos congoleses altera-se com o assassinato de Patrice Lumumba em Janeiro de 1961, após um golpe de Estado dirigido por Mobutu, que assumiu o poder de modo ditatorial e com verdadeiro terror. Se Lumumba denunciou o colonialismo, o racismo e a expropriação dos recursos da RDC, sobretudo pela Bélgica e pelos EUA, Mobutu deu-lhes de mão beijada os recursos do País que geriu, tendo como ópio para o povo “o futebol, a música e a cerveja”.

É interessante quanto o melhor e o pior da história de África pós-colonial passam pela RDC. Lá emergiu um ícone da transformação do continente que governou apenas três meses o seu país. O que se seguiu foi um dos piores casos da governação em África, com o conluio dos países ocidentais, não se coibindo de perpetrar vários banhos de sangue contra o seu próprio povo quando este ousasse rebelar-se contra Kinshasa. O livro do historiador Ludo De Witte - O assassinato de Lumumba – retrata muito bem os primeiros anos desta hecatombe congolesa. A sua publicação no princípio dos anos 2000 teve um impacto político internacional profundo, obrigando o governo belga a um pedido de desculpas ao povo congolês pela sua “participação moral” (apenas?) no assassinato de Lumumba e tudo o que se lhes sucedeu. O seu novo livro – L´ascension de Mobutu – Comment la Belgique et les USA ont installé une dictature – escava o subterrâneo às vezes nauseabundo do universo da política da Bélgica e dos Estados Unidos nesse período sombrio. Como instalaram uma ditadura muito lucrativa para os seus interesses, pisoteando a população congolesa.

Para além da forma odiosa como ascendeu ao poder, o pior que sucedeu com o ex-Zaire da era Mobutu foi não apenas o facto de ter escancarado as portas para a pilhagem da RDC pelas grandes potências ocidentais, mas o facto de não ter conseguido gerir o País e fomentando entre os cidadãos a famosa expressão do “l´article 15 - débrouillez-vous”, como quem diria – “desenrascai-vos” ou “salvem-se como poderem”. Esta é uma expressão que se tornou viral na RDC desde os anos 60 e, segundo os próprios congoleses, emergiu no Kasai do Sul e generalizou-se pelo país, deixando aos cidadãos a possibilidade de tudo fazerem – inclusive o imoral – para encontrarem um sustento. O Governo de Mobutu mostrou-se incapaz de satisfazer as necessidades da população e nem mesmo conseguia estender a sua administração pelo território, de tal sorte que o poder estava confinado em Kinshasa e arredores. Em bom rigor, hoje não é diferente, porque os Kabilas infelizmente não conseguiram melhor.

Com o “Grande Leopardo” decrépito, o movimento de insurreição promovido por Laurent Desiré Kabila foi então o que o demoveu do poder, numa altura em que este se encontrava completamente fragilizado e de certa forma isolado, inclusive pelos seus antigos aliados ocidentais. Mobutu não servia mais os interesses e as agendas daqueles que o colocaram ao seu serviço, de tal modo que a União Europeia impôs-lhe um embargo de armas.

Ainda assim, para ele, Kabila era só mais um aventureiro que se contentaria com as riquezas minerais do leste do País, onde havia começado o movimento insurreccional e que rapidamente assumiu o controlo.

A corrupção no país era tanta que mesmo o dinheiro preparado para a sua defesa – cerca de 25 milhões de dólares enviado a partir de Nice onde se encontrava hospitalizado, foram desviados pelas altas chefias militares. E, diante de um exército despreparado e desorganizado, não obstante o apoio de alguns mercenários do leste europeu, Kabila avançou muito rapidamente, pois muitas cidades caíram sem um único tiro. Mobutu está adoentado e praticamente sem apoios. Angola tem aqui um papel notável, com Luanda a apoiar os rebeldes e a UNITA de Jonas Savimbi a tentar também prestar-lhe socorro sem sucesso. O falecido e valoroso General João de Matos narra este episódio na sua última entrevista pública. Por isso, é absolutamente notável a descrição do ex-Zaire, na obra “Mobutu”, de Jean Pierre Langlier.

O nível de degradação social, a ineficiência do Estado e a quase ausência de autoridade (moral) deste, o caos e ausência de ordem na maioria das cidades é um fenómeno típico das sociedades africanas contemporâneas que urge corrigir. Tudo se vende e tudo se compra em qualquer esquina. O que antes era motivo de chacota aos nossos irmãos da fronteira norte, hoje é muito presente também em nós em zonas como São Paulo, Cuca, ex-Cimex, Viana, etc, é escandaloso. Razão para dizer: Isto também é um Congo! É urgente corrigir e melhorar o ordenamento das cidades. Moralizar a sociedade. No final do dia, educar as pessoas pela cidadania e pelo civismo.

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