OPINIÃO
Adebayo Vunge (*)
África deve olhar sobre si mesma e encontrar as soluções para os seus ainda múltiplos problemas. Não podemos continuar a assistir e a realizar reuniões infrutíferas. É, por isso, vital um novo pensar e um novo agir sobre o continente, responsabilidade não exclusiva das lideranças, mas de todos os africanos e panafricanistas.
Estou em crer que, ao colocarem o tema da corrupção no centro da discussão, os Chefes de Estado e de Governo presentes em Addis-Abeba pretendem mudar, mais do que mudar, empreender num sentido de realização e transformação dados os males que a corrupção tem vindo a provocar nas nossas sociedades em termos económicos, sociais e políticos. A União Africana (UA) terá que enfrentar os principais factores de corrupção, o que, segundo um relatório de 2016 da Comissão Económica para a África explica que “a falta de boa governança” resulta em “instituições fracas, equilíbrio de poder ineficaz, marcos legais e regulamentares fracos e mecanismos de execução ineficazes.
Por isso, sobre a 30ª Cimeira de Chefes de Estado da União Africana que decorreu nos últimos dias em Addis-Abeba, sede da organização, apresento as três notas seguintes:
Em primeiro lugar quero destacar o facto do continente, ao que aparenta, estar rendido ao Presidente Paul Kagame e as reformas que empreendeu no seu país, o Ruanda. Vinte e cinco anos depois do genocídio, a realidade é completamente diferente e o lustro do País, não obstante as dificuldades, evidencia uma liderança forte, visionária e empreendedora. O “milagre ruandês” de Paul Kagame deu-lhe a legitimidade histórica e política para reformar a Constituição e permanecer no poder. Discutível? Sim, mas conhecendo a realidade dos nossos países, em África, é bom reconhecermos que é tolerável. É também um pouco o que se passa hoje na China. A democracia não é o fim do Estado. O fim do Estado é o bem-estar da sua população. E isto explicará, segundo alguns analistas, por que um País pequeno (Ruanda), com apenas 12 milhões de habitantes, estará por detrás da desestabilização da gigante RDC (?). Apesar de tudo o que há de bom, esperemos então que saiba introduzir as liberdades para a democratização do Ruanda.
Em segundo lugar, o grupo de peritos – Donald Kaberuka, Carlos Lopes e Acha Leke - convidados por Paul Kagame, apresentou a sua cartilha de reformas para a União Africana, assente em três eixos: i. A racionalização do campo de açcão da UA, tornando-a mais interventiva em campos como a paz e segurança, assuntos políticos e integração económica, um meio-termo entre a União Europeia e o que temos hoje; ii. Reforma das instituições, melhorando a divisão do trabalho entre a UA, as organizações sub-regionais e instituições panafricanas. Neste eixo prevê-se também a realização de apenas uma cimeira anual contra as duas actuais; iii. Finalmente, o autofinanciamento da UA mediante a entrega, pelos países membros, de 0,2% da receita global das importações, que não estão sujeitas às regras da OMC. Segundo projecções, esta medida permitirá a organização angariar cerca de mil milhões de dólares anuais, suficientes para o engajamento em programas de desenvolvimento, excluindo-se os programas de manutenção de paz que teriam de continuar a depender da ajuda externa. Vemos pois o impacto desta medida no sentido do financiamento da organização e da sua acção no plano continental.
Pretende-se uma organização verdadeiramente voltada para o desenvolvimento e onde o seu principal grupo de trabalho não seja apenas a segurança – Comissão de Paz e Segurança. A NEPAD daria assim lugar a uma Agência para o Desenvolvimento da União Africana.
Em terceiro lugar, esta Cimeira de Addis-Abeba marcou também a estreia de três novos Chefes de Estado, nomeadamente João Lourenço (Angola), Georges Weah (Libéria) e Emmerson Mnangagwa (Zimbabwe), o que atesta a contínua transição geracional dos líderes africanos. Espera-se que estes, com a sua vivacidade, consigam impor uma nova agenda de discussão, mais frontal, mais pragmática e com impacto na melhoria da vida das pessoas. Estou a pensar, por exemplo, em Macky Sall, Alessagne Ouatara, Uhuru Kenyata, Rei Mohammed IV, Nyusi, entre outros.
Coube ao Presidente João Lourenço falar “em representação dos três estreantes” e, nesta ocasião, tocou num ponto-chave – o paradoxo africano. Segundo disse, “temos a responsabilidade primária de transformar o nosso continente e corrigir assim o paradoxo africano que permanece inexplicável e intolerável, o de ser um continente rico em recursos naturais, mas assolado pela pobreza”.
De facto, os líderes africanos têm a responsabilidade de fazer mais, “empreender o bom combate”, contra as desigualdades, as assimetrias fazendo com que o nível de vida na cidade do Cabo ou em Marrakech sejam encontrados também em Bangui ou em Cartum. Os recursos minerais devem deixar de ser a nossa maldição e estar ao benefício de todos. Temos água, solo e mar, mas vivemos de importações. Exploramos petróleo, mas importamos combustível, enfim, as incongruências que urge corrigir.
(*) Jornalista e director do GCII do Ministério das Finanças
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