Geopolítica dos media

Os meios de comunicação social jogam um papel inquestionável na sociedade moderna. Não se trata apenas de meros difusores, mas eles jogam um papel crucial na criação de um referencial simbólico sobre a sociedade em que se encontram inseridos e não só. Quanto maior é a importância que assumem, quando nos cingimos ao que se passa com os grandes meios de difusão internacional, como a CNN, BBC, Euronews ou Reuters responsáveis pelo grosso da informação produzida, difundida e consumida, claramente em alinhamento com os seus Estados.
E, por conseguinte, no que concerne à realidade africana, a metodologia e objectivos não poderia ser diferente. Também nesta, os media angolanos não devem ser meros reprodutores e é fundamental encontrarmos um fio condutor ao noticiário internacional que obedeça ao interesse público e a proximidade, sem nunca comprometer o interesse nacional. Portanto, na abordagem sobre a geopolítica dos média, é importante percebermos o nosso olhar sobre o mundo, mas é vital sabermos como o mundo olha para nós. 

A saga dos meios de comunicação em zonas de conflito coincide com a história do nosso tempo. Mas o tempo de ontem não se assemelha em nada com a nossa era e hoje a dinâmica é outra, os meios são infinitamente superiores: livros, jornais e revistas ilustradas, o cinema, rádio, televisão e agora a Internet. 
Há pois uma verdadeira revolução no processo comunicacional, com reflexos em toda a organização da sociedade e dos sistemas económicos e políticos. Ou se quisermos, vivemos uma era em que assistimos a uma inflação informativa, fruto das novas tecnologias, que contrasta com a capacidade do homem em consumir e apreender os factos: é a dinâmica dos directos ou a pressa de informar que ditam o grande volume de informação? E estamos melhor informados ou cada vez mais sujeitos ao olhar dos poderes (manipulação)?… Sim, porque quando demonstramos apenas o que se passa com os rebeldes na Síria ou quando tornamos santos, os manifestantes no Brasil estamos a manipular. Não mentindo, estamos a mostrar apenas um ângulo da realidade. Com que propósito?

Embora o conceito de Geopolítica seja relativamente recente em comparação com outras esferas do pensamento científico, (o jurista sueco Rudolf Kjellen empregou o termo pela primeira vez em 1905), o auge da sua concepção teórica dá-se com a chamada Escola de Berlim e não podemos ignorar a sua relevância para o nazismo de Hitler, pese o facto de Friedrich Ratzel ter sido o responsável pela sua propagação nos Estados Unidos, procurando compreender o Estado democrático nas diferentes dimensões, geográfica e política, ou seja, geopolítica, dispondo de métodos ora impositivos, ora resultantes apenas do poder da influência (soft power). 

Tal como nas questões de defesa e segurança, na cultura e na economia, também nos média há uma tendência para que os Estados queiram exercer a sua supremacia. Ora porque são as principais potências económicas que detêm a rede de Infra-estruturas que possibilitam o funcionamento dos meios de comunicação social (da rotativa aos cabos submarinos e passando pelos satélites geo-estacionais) ora porque nota-se uma supremacia na produção, difusão e consumo de informação. Entre nós é fácil notarmos esta situação, quando olhamos para a assimetria do ponto de vista de informação entre as principais cidades e das demais. 
Claramente quem está em Luanda ou Benguela tem acesso a mais informação, do que quem está em Saurimo ou Dundo, por exemplo. A Geopolítica é mais complexa quando analisamos diferentes tipos de media e a forma como estes se interligam. A televisão e a produção radiofónica cresceram muito em todo o mundo ao longo dos séculos XIX e XX e é difícil fazer o seu mapeamento. 
Conseguimos compreender a importância da televisão nas sociedades contemporâneas enquanto veículo de informação, ao mesmo tempo que o cinema, desde a segunda metade do século XX, ganhou uma importância estratégica nos Estados Unidos, que usaram este meio, de forma estratégica e propositada, para a disseminação do American deal e do American Way of life, em contraponto ao seu objecto social na Europa e no Japão. Os EUA projectam-se para o mundo através do cinema e não é por acaso que a indústria do audiovisual (Hollywood) se tornou igualmente rentável ao mesmo nível do sector industrial como o dos petróleos, por exemplo. Nota-se hoje uma movimentação no sentido desta supremacia migrar para Sillicon Valey, no sector das tecnologias, fruto do peso de corporações como a Google, Apple, Facebook e Amazon, os chamados GAFA.
Dada a sua grande infra-estrutura, os grandes media produzem informação em escala, hoje com o auxílio das novas tecnologias, e determinam o consumo de 90% das notícias difundidas ou consumidas em todo o mundo. Estamos a falar da CNN, BBC, Associated Press, Reuters, Bloomberg, Agência France Press, Washington Post, New York Times, revista Time, The Economist, The Guardian, News Agency Xinhan, China Xinhua News Network Corporation (CNC) e agora também a Al-Jazeera que detém o monopólio sobre o mundo árabe e serve de contra-peso ao que é veiculado pelos ocidentais sobre aquela civilização e Estados. Os canais chineses e a Al-Jazeera são pois intrumentos da diplomacia pública e obedecem a uma estratégia de posicionamento na media, mas nas indústrias culturais e do entretenimento, de uma maneira geral com vista a orientar a opinião pública internacional, sobretudo depois do 11 de Setembro de 2001. 

Impõe-se-nos perguntar: E sobre África? Quem e como se dissemina o noticiário africano? Infelizmente, de fora para dentro, ainda numa lógica de centro-periferia.
Não podemos, nessa perspectiva, ignorar o que se passou na cobertura à crise da Primavera Árabe que sacudiu os países do Magreb ou a morte de Kadaffi. Como foi a cobertura ao genocídio no Ruanda? Como tem sido a cobertura das crises na RCA e no Mali? Ou como foi a cobertura da morte de Nelson Mandela, que outrora fora retratado por alguns destes poderosos medias como terrorista?

Em suma, a abordagem geopolítica no estudo da media mostra uma variedade de critérios e conceitos que evoluem com a espacialidade e a temporalidade do objeto estudado. Ele mostra taxas diferentes (tempo, " longo" imediato) como um possível assentamento de escalas espaciais (do local ao global), tão importantes na geopolítica. Enquanto isso, o principal ponto em comum nestas análises chave continua a ser o estudo de rivalidade pelo poder entre diferentes actores.
No entanto, muitas vezes, o processamento de informação continua a ser sucinto, quando não é simplesmente enviesado, o que induz a percepção mundial sobre os mesmos factos/eventos.
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De facto, é difícil termos uma percepção correcta sobre os factos a partir do momento em que não sabemos ou não dominamos a natureza dos actores, o contexto e as interacções nos vários conflitos. Lembro que os media veiculam é apenas uma verdade, uma parte da realidade. Devemos sempre desconfiar do que está por detrás dessa veiculação, visivelmente, alinhada com o interesse dos seus Estados. Importa procurarmos outras verdades (pluralismo da informação). 
Ouvirmos opiniões diferentes, informações (im)parciais quanto aos assuntos internacionais e assim forjar o nosso próprio ponto de vista. Adoptarmos uma estratégia coerente para que possamos fazer valer a nossa influência na cartografia africana e assim “impormos” o nosso olhar ao mundo. Falar para o mundo nos mais relevantes espaços destes e assumirmos uma agenda própria alinhada com o interesse próprio. A nossa afirmação enquanto potência regional passa pelo simbolismo dos media. A abordagem de uma nova economia, diversificada e mais resiliente, onde o turismo (cultura e desporto incluídos) assuma maior relevância, passa por uma exposição mediática muito superior ao que temos feito até aqui, para além de outras esferas.
Ao mesmo tempo, no Plano Internacional, Angola faz parte de diferentes organizações interestatais e regionais para além das multilaterais onde procura fazer vingar os seus interesses.

Vamos destacar aqui a SADC, CPLP, PALOP’s ou parceiros no quadro bilateral com cooperação estratégica, ressaltando como afirmou o Presidente da República na Reunião anual com os Embaixadores – fazer com que a diplomacia seja actuante na melhoria da imagem de Angola. E na medida em que a diplomacia é informação, é vital redinamizarmos este papel para que o mundo conheça uma outra realidade de Angola, que não apenas a da guerra, da crise e da corrupção. Mas o que existe de reflexo da realidade destes países em Angola. Ou seja, em que medida nós conhecemos e interpretamos o que se passa na Namíbia – onde até temos uma comunidade significativa de angolanos residentes, para além da sua condição de país fronteiriço. O mesmo se passaria com a Zâmbia e até a África do Sul.
Na realidade, a imprensa angolana continua apenas a reproduzir o que é produzido pela imprensa internacional, principalmente as fontes portuguesas, sobre factos que nos são próximos, copiando ao mesmo tempo a sua lógica e seguindo de forma fiel a sua agenda de interesses e cronograma.
Adebayo Vunge
Artigo publicado na edição de 30 de Maio, 2018 do Jornal de Angola

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