O Presidente João Lourenço destapou o véu da realidade
do partido que dirige, quando proferiu, na passada sexta-feira, um interessante
discurso na abertura de uma reunião do Comité Central, a primeira que dirigiu
como presidente do partido. Enterrou o “camarada ordens superiores” e desferiu
golpes violentos contra o abuso de poder, nepotismo, clientelismo e outras
manifestações negativas, que conformam um estado de alma pouco acalentador no
seio do partido dos camaradas. A tendência vem de Setembro.
O Presidente João Lourenço questionou sobre o MPLA que
temos e sobre o MPLA que pretendemos ter, uma vez que está em cima da mesa uma
agenda de moralização, de reestruturação dos valores e princípios fundadores,
mesmo se o contexto político e ideológico seja marcadamente diferente.
Assim, para além da abertura ao debate democrático,
respeito pela diversidade de ideias e recusa ao pensamento único, o Presidente
está a levar a peito a ingente necessidade de renovação. Nalguns casos de
rostos – veja-se a eleição de Luísa Damião para vice-presidente do MPLA – mas,
fundamentalmente, a assumpção de uma nova mentalidade e de uma postura de maior
diálogo dentro das suas estruturas e para com a sociedade.
Por isso, é notável o mind set do Presidente João Lourenço, que traz à baila temas
históricos relacionados com o seu partido, mas, também, com o País, dada a
responsabilidade na governação que o MPLA tem tido ao longo destes anos, após a
independência.
O debate no seio do MPLA tornará o partido inclusivo sobre si mesmo em relação às suas crises na história, mas trará uma maior abertura no sentido de captar a atenção das novas gerações, cuja literacia política os torna menos condescendentes com as falhas e os resultados de uma governação que não responda integralmente às suas necessidades, aspirações e exigências.
Quando demanda o poder fiscalizador das estruturas do
Partido sobre o Executivo que o próprio dirige, promovendo um poder de
escrutínio - noutras palavras, de fiscalização - está a estabelecer um novo
paradigma. E o Presidente usa dois argumentos. Em primeiro lugar, porque o
poder corrompe e o ser humano, independentemente da sua localização geográfica,
quando se vê poderoso tende a subverter os princípios. E o tom do Presidente é
preventivo e pedagógico. Sobre si mesmo, mas, principalmente, sobre todos os
seus auxiliares. O segundo é o exemplo que deve partir dos militantes e
dirigentes – nas estruturas do partido, no Executivo e órgãos conexos, na
administração local, enfim. A ética é também isso mesmo, não basta ser, é
preciso parecer.
Essa abordagem do Presidente João Lourenço coloca em
evidência a necessidade dos juristas encontrarem um mecanismo constitucional
para que se devolva o poder fiscalizador à Assembleia Nacional. O Presidente
referiu-se a isso nas suas primeiras intervenções após tomar posse. É
indisfarçável que estamos diante de um dilema jurídico-constitucional,
traduzido na expressão quid júris?
Há um acórdão do Tribunal Constitucional que
estabelece uma interpretação da Constituição e assim limita os poderes da
Assembleia Nacional. Mas é também a democracia que impõe esta separação de
poderes e o mecanismo do check and balances para a regulação e equilíbrio.
O debate no seio do MPLA tornará o partido inclusivo
sobre si mesmo em relação às suas crises na história, mas trará uma maior
abertura no sentido de captar a atenção das novas gerações, cuja literacia
política os torna menos condescendentes com as falhas e os resultados de uma
governação que não responda integralmente às suas necessidades, aspirações e
exigências.
E este debate leva-nos a observar um partido que se
assume de esquerda no plano estatutário mas cuja acção prática é, ou tem sido,
demasiado contrastante. Queremos uma social-democracia, sem prestarmos atenção
suficiente ao Estado Social, uma vez que os níveis de degradação e precariedade
social são alarmantes e assustadores.
Chegamos a um ponto tão chocante que o caos e a
desordem tornaram-se regra. Daí a dificuldade em regressarmos ao que é normal e
nos assustamos com a tão baixa instrução do nosso Povo. Sim, não podemos ver o
Partido MPLA, com todas as suas responsabilidades no plano da governação,
assumir-se uma coisa e fazer outra. E a prova mais chocante é a realidade nos
hospitais, as debilidades do sistema de ensino que nos levam a ter advogados
que não sabem quem foi António Jacinto, mais igrejas do que escolas, e pessoas
a pilharem os postos e cabos de cobre do transporte de energia. É urgente
resgatarmos, também ao nível dos partidos, para que estes se assumam como entes
fortes e capazes de perceberem a mudança, que é essencial na política e na vida
das pessoas.
Se o MPLA, e também os demais partidos, não perceberem
as novas dinâmicas da política, seja em Angola seja no mundo, não nos
espantemos com qualquer movimento inorgânico, disruptivo e populista, que
arrasa hoje em várias partes do Mundo, e de que Trump e Bolsonaro são os rostos
mais notáveis. Também em França, por exemplo, depois dos coletes amarelos, não
nos espantemos com uma eventual vitória da extrema-direita.
No nosso caso, é importante que quem governa tenha
esta noção. Os políticos devem satisfazer a expectativa de quem os elege e não
agir como meros sectários. É isso que terá de suceder com os autarcas. Estes
devem resolver os problemas da sua comunidade, estar ao serviço dela, com uma
agenda que ataque as questões reais: pão, água, luz, hospitais, escolas, etc.
Que o MPLA, como os demais partidos, traga a sua nata de quadros para beneficio
da competição e da vida das pessoas, nos municípios.
Adebayo Vunge em Impressões Digitais, coluna publicada semanalmente no Jornal de Angola
Comentários
Enviar um comentário