“Resgate” com ponderação




A venda ambulante, principalmente na cidade de Luanda, é o traço mais comum do caos social em que vivemos. É o mais notório, mas a situação atingiu um ponto tal que denota de facto uma gritante ausência de autoridade, ou noutros termos, várias instituições do Estado deixaram de fazer-se respeitar pelos cidadãos que, ora por negligência, ora por puro abuso e desacato, enfrentam o Estado e também aqui de forma impune.

Há ocupação ilegal e abusiva de terrenos, nalguns casos reservas fundiárias do Estado. Lanchonetes, bares e roulottes são instaladas em qualquer lado ante a permissividade total das administrações. Construções ilegais nascem em toda a parte porque continuamos a alimentar a “ilusão malangina” de que todos os angolanos devem ter casa própria e assistimos ao nascimento de bairros desordenados na periferia de todas as cidades, quando o arrendamento poderia ajudar a resolver grande parte desta necessidade habitacional. Os táxis não respeitam ninguém, nas estradas, nem mesmo os seus clientes dentro das viaturas. A música alta é o pão nosso de cada dia, o que se agrava nos finais de semana e, nisso, nem mesmo quem vive nos condomínios escapa. O tráfico de drogas prolifera nas ruas de Luanda e os “dealers” passeiam com uma tranquilidade assustadora que denuncia algumas conivências.

Bem, o cenário é do conhecimento de todos. As suas consequências são igualmente reconhecidas. No entanto, causa espanto que alguns círculos se oponham a reposição da ordem. Eu prefiro antes questionar soluções sustentáveis, mais ponderadas e adaptadas a nossa realidade, perdurando, captados os contributos dos próprios cidadãos (sociedade civil) e não circunscritas apenas ao momento presente.


Quando analisamos de fundo o que se passa connosco, vamos dar ao mesmo: educação. Precisamos melhorar os níveis de instrução, conhecimento e cultura da população que lhes leve a adoptar um sentido crítico, não apenas sobre o sistema governativo, mas inclusive sobre si mesmos, suas acções e atitudes que muitas vezes conflituam com todo o trabalho feito em prol destes. 


O pequeno comércio, em muitos casos realizado de modo ambulante e informal, não é uma realidade exclusiva nossa. Nem de África. Até mesmo em cidades como Paris, Rio de Janeiro e Beijing encontram-se pequenos nichos que conformam esta realidade.

Mais do que o seu imediato combate, é importante que o Estado trabalhe no sentido da sua organização, tirando o máximo proveito seja em termos urbanísticos, culturais e até financeiros, como se subentende na intervenção do vice-governador de Luanda para a área económica.

Por exemplo, não podemos deixar de nos opor aos vendedores ambulantes que nas ruas vendem tudo e mais alguma coisa. É preciso que haja um limite em relação ao que pode ser transaccionado nas ruas. Não é só uma questão de estética, é sobretudo a segurança pública que está em jogo quando vemos armas brancas serem vendidas nestas condições ou, vis-à-vis, a saúde pública ameaçada quando nos deparamos com a venda de animais.

A senhora da esquina, vendendo bombó assado, banana-pão assada e ginguba pode ser travestida numa roulotte móvel, em pontos autorizados e pagando as taxas devidas a municipalidade que depois assegura a limpeza daquele local. Os principais largos podem dar lugar a feiras, sublinho, feiras e não barracas para comeretes e beberetes. Estes pontos não precisam ser ocupados todos os dias. Pode ser inclusive montado um esquema giratório, que faça com que as feiras circulem pela cidade.

Portanto, há uma urgência em colocarmos ordem a vida urbana. Por que os táxis não conseguem respeitar a ordem de chegada nas principais paragens e sobrepõe-se uns aos outros gerando a maior confusão e criando constrangimentos ao trânsito? Por que ao invés de proibirmos o estacionamento na maioria das ruas da cidade não colocamos um sistema de pagamento por Multicaixa, se quisermos ocupar estes jovens que se encarregam disso, montando sistemas que permitam integrá-los nas cobranças, gerando receitas para benefício da edilidade.  

Embora haja uma atroz luta pela sobrevivência, principalmente nos substractos populacionais mais carenciados, a autoridade do Estado não deverá sucumbir. Há uma fronteira difícil, mas possível entre a autoridade e o abuso de poder por parte dos agentes de fiscalização e policiais, sendo por isso, a todos os títulos, condenável a senhora que agrediu o polícia, como o polícia que pontapeia as senhoras em zonas de maior comércio como se transformou o corredor que vai do São Paulo a Mabor.

Quando analisamos de fundo o que se passa connosco, vamos dar ao mesmo: educação. Precisamos melhorar os níveis de instrução, conhecimento e cultura da população que lhes leve a adoptar um sentido crítico, não apenas sobre o sistema governativo, mas inclusive sobre si mesmos, suas acções e atitudes que muitas vezes conflituam com todo o trabalho feito em prol destes. Imagine senhoras que têm de vender bens alimentares perecíveis, com bebé as costas, em zonas sem saneamento, com esgotos a céu aberto, “exércitos” de moscas e mosquitos a volta. Um bom retracto disso encontramos no livro de Jacques dos Santos – Chove na Grande Quitanda.


 Mais do que a necessidade, é um estado de alma que leva as pessoas a perder noção do certo e do errado. Afinal, a pobreza não explica tudo. Neste caso, tal como a falta de autoridade, está a faltar-nos também educação formal e informal. Os serviços comunitários e a própria comunicação social devem jogar um papel mais interventivo em termos pedagógicos.  

IMPRESSÕES DIGITAIS

Adebayo Vunge


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